quarta-feira, 11 de maio de 2022

A FUGA DA LOUCURA - Heraldo Lins

 


A FUGA DA LOUCURA


Ela serve suco de uva só de calcinha. Já haviam me dito que o restaurante dela é cheio de gente e eu não sabia o porquê. Tornei-me freguês, ou melhor, tenho que ficar na fila esperando alguém sair porque freguês todo mundo torna-se ao conhecê-lo. 

Restaurante das Meninas é o nome do estabelecimento. Assim que abre há um corre-corre para preencher os lugares. O juiz foi lá querendo fechar o estabelecimento, mas tornou-se cliente. O padre é atendido em um reservado. Os preços são acima do mercado, mas quem se importa com isso? Muitas pessoas vêm de outras cidades para serem atendidas. 

Há um serviço em que a garçonete coloca a comida na boca do cliente, barbeando-o em seguida por apenas dez por cento de acréscimo. Se a pessoa quer tomar um aperitivo e prefere que ninguém o veja bebendo, a garçonete ingere  a bebida e, encostando a boca na do cliente, transfere para ele a cerveja, uísque, ou o que seja. Quem gosta de cachaça sai de lá na ambulância. 

Não há problema de violência. Se algum cliente se exaltar uma luz é acionada deixando-o igual um manequim por vinte e quatro horas, motivo maior de gerar um respeito mútuo. Ninguém sabe de onde vieram aquelas pessoas, só se sabe que existia um terreno baldio e no outro dia as edificações estavam montadas. 

Pessoas que nunca passavam por perto chegaram dizendo que sentiram um chamado. Ficaram reféns daquele gosto. As bebidas são sem rótulos e a comida sem nome. A fila permanece grandiosa porque todos comem sem parar, mas a fome, inicialmente, não é saciada nem a sede mitigada. 

A música tocada na pista entra no subconsciente preenchendo cada neurônio identificador dos comas de um tom, de maneira que se fica ligado ao som a noite inteira, motivo maior de não haver esvaziamento antes de terminar o processo satisfatório de cada um. 

Ao adentrar ao ambiente, o freguês, através da digital, aciona um dispositivo que direciona a música ideal para ele, além de comidas e bebidas adequadas. Ninguém pede algo só por pedir. Há toda uma avaliação a partir do momento da digitalização vindo a suprir as necessidades do organismo de quem se habilita a visitar o local. Logo após a satisfação total, uma outra luz é acionada induzindo-o a deixar o restaurante, só assim, se consegue esvair-se do local. Esse entra e sai modifica as pessoas. Algumas horas de usufruto deixam o cliente satisfeito por semanas. 

No banheiro, antes da despedida, há um processo de embelezamento em que o deslizar de um pente especial é sentido do couro cabeludo aos pés, arrepiando os outros pelos de forma constante até acalmarem-se, como se cada célula fosse atingida no processo de alinhamento. 

O índice de criminalidade baixou para zero depois que o restaurante passou a funcionar. O estranho é que durante o dia, em que está fechado, não se consegue ver os funcionários em trabalho de abastecimento. Nenhum armazém da redondeza contabilizou pedidos vindo daquela organização. Permanece fechado até às dezenove horas. Estive por lá cinco minutos antes, e ninguém ao redor. Ao abrir as portas, percebi uma multidão saindo de não sei de onde para adentrá-lo. 

Cada pedido é direcionado assim que nos sentamos. Os drinques chegam no mesmo instante que se é imaginado. Quem não pode pagar é atendido do mesmo jeito, só que no fechamento da conta a moeda utilizada é sangue, subtraído de acordo com o valor exposto na tela da bolsa internacional.  O tipo zero positivo é como se fosse ouro. Dez mililitros correspondem ao prato do chef e seus acompanhamentos. A retirada é instantânea, sai pela saliva, em que o chamam de: a hora do beijo adocicado. 

Quem passou pelo processo de pagar no Pix sanguíneo teve seus sentidos aguçados a ponto de enxergar com visão infravermelho, faro de lobo e regeneração instantânea. Outros pés-rapados de tanto fazer o pagamento dessa forma, deixaram de sentir dores, e muitas vezes não se veem no espelho. Isso é fato, porque desde ontem que tento ver meu reflexo e apenas uma fumaça transparente enruga o vidro. Nada mais que isso, sou. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/10.05.2022 - 21:24



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