CUSTO BENEFÍCIO - Heraldo Lins

 

CUSTO BENEFÍCIO 

Responda-me uma coisa. Seja sincero. Eita! Acho que ela desconfia que tenho outra mulher! Ele a encara e fica esperando a pergunta. Quando você me avisou que a panela estava queimando, ficou o odor de queimado dentro de casa? Sim, o cheiro veio até aqui! Você não sentiu? Não, não senti. Será se estou contaminada? Ainda bem que passei cebola crua no fundo. 

Ele fica aliviado e analisando o que ela disse. Com sua característica de homem malicioso, naquela frase caberia a pergunta: você passou cebola no fundo, foi? Ele sabe que foi no fundo da panela para tirar o cheiro de queimado, mas prefere não prosseguir com brincadeiras. Estava tenso por ter pensado que ela iria perguntar quem havia deixado a marca de Baton na camisa. 

Ele se preocupou em se prevenir, ou pelo menos pensa nisso. Se ela estiver contaminada, irá, também, contaminá-lo. Deve ser a gripe. Pegue o desodorante e tente sentir o cheiro. Já tentei até com perfume. Não sinto nada. Do outro lado da cidade chega a mensagem da amante: hoje não posso. Parece que peguei Covid. 

Ele está encurralado. Sente-se como se estivesse numa ilha rodeado de tubarões. Esses vírus são seres inteligentíssimos que sabem, como cães, quem está com medo e se infiltram nos organismos dos medrosos. 

Amanhã vou fazer o teste no drive thru. É muita pretensão acharmos que só nós somos inteligentes. Se eu estiver contaminada você também vai fazer o teste. Eu não! Não tenho medo de vocês, viu seus criminosos covardes. Amor, você está falando com quem? Psiu! Fale baixo para que eles não nos escutem. Eles quem? Os vírus. Eles entendem nossa linguagem. Dominar o mundo será só uma questão de tempo. Você não acha que está exagerando? 

Sua mente ágil percebe que está saindo do prumo. Se esses bichos fizerem eu perder aquela mulher, eu não sei de que sou capaz. Fica elaborando teorias para a pandemia. Na verdade, essas mortes são causadas pelos espíritos maus que foram soltos do inferno. Calma amor! a ciência já descobriu de onde vieram. Eu soube que muitos satanases estão soltando esses diabinhos menores  para  atacarem quem não acredita em inferno. Amor, deixe de viajar na maionese. Chega mais uma mensagem. Ainda bem que o celular está no silencioso. Essa mulher é mais ciumenta de que a legítima. 

Em cima da mesa há vários litros de álcool gel, mas o mais penoso é conviver com os que o chamam de papai. Além deles comendo seu salário, agora esse vírus. Vírus não mata bactéria, ou mata? Quem sabe alguns desses meninos barulhentos vão embora nessa leva de mortandade. Nem vou vaciná-los só para ver se fico livre de pelo menos a metade. Já não aguenta ficar em casa fugindo dos aglomerados. Sua vontade é ir para a balada. 

Amor, você está pensando em investir em quais ações? Nas ações dos laboratórios que fabricam vacinas. O negócio está prosperando com uma curva ascendente maior de que as ações do petróleo. Mais uma mensagem dela pedindo dinheiro. Já te enviei uma boa quantia ontem, e você ainda quer mais? essa mensagem ele passa escondido no banheiro. 

Esse luxo está ficando caro. Com a facilidade do Pix não tem como dizer que está com o carro na oficina e não pode ir transferir no banco. Falar em oficina. Gertudres, lembre-se de agendar a oficina para amanhã. O carro está acendendo a luz de combustível mesmo o tanque estando cheio. Eu consertei! Como? Fiquei mexendo naquele pitoco preto que passa a hora e deu certo. Então aproveite para consertar a televisão. Também já fiz. Coloquei ela no sol, era só um pouco de umidade. Está tudo resolvido. Para que danado eu quero uma amante que só dá despesa?

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 20.03.2022  − 09:13