segunda-feira, 7 de março de 2022

CAMINHO BARRADO - Heraldo Lins

 


CAMINHO BARRADO


Por que se escreve? Acho que é a vontade de dizer tudo a todos, ou, simplesmente, conversar consigo. Nas noites solitárias, ninguém disponível para trocar ideias à altura, corre-se para a amiga folha em branco. Muitas vezes me pego tendo pena da humanidade, inclusive de mim. Quanta correria para deixar nada pelo caminho. Ontem mesmo eu me peguei pensando em neuro engenharia. A capacidade do cérebro dominar a pessoa sem que ela se aperceba. Achei legal, por isso fico contente por ter alguém para conversar vinte e quatro horas por dia. A minha mente pergunta-me e responde de acordo com seu entendimento. Eu penso que sou eu, ledo engano. Sou um títere na mão dessa poderosa fonte de conhecimento. 

Dizem, nessa ciência, que o consciente entra em conflito com o subconsciente e por isso existem os problemas de ordem psíquica em cada ser humano. Sabendo que fui colocado de lado, estou tentando ser amigo desse meu circuito integrado. Antigamente eu era muito criticado por conversar sozinho, agora está todo mundo conversando de si para consigo. Antes eu tinha vergonha que alguém me pegasse questionando-me. Agora faço em público e até sou aplaudido. 

Recentemente chegou-me uma informação de que a fórmula de ser feliz é não apostar em algo que dependa dos outros. Eu me lembrei que desde bebê sou infeliz exatamente por sempre depender dos outros para minha existência. Na época da minha pré-história eu dependia de duas montanhas de leite para sobreviver. Quando queria que as montanhas viessem a Maomé, desculpem-me, isso é outra história, que as montanhas viessem ao bebê, no caso, viessem até a mim, eu chorava que dava desgosto de se ouvir. Ou chorava ou morria. Minha mãe correndo atrás dos oito irmãos maiores, não se lembrava de trazer as montanhas de leite, e haja choro. Depois veio a dor dos ossos cortando a gengiva para apresentar os dentes. Eu nem queria ser chamado de chorão, mas não tinha domínio. 

De repente estava engatinhando. Que posição ridícula. Um homem de quatro pés pela casa suja, arrastando-se em busca de conhecer os esconderijos das baratas.  

Lembro-me no dia em que coloquei o fio do ferro de passar no ouvido. hoje sei o que é choque, naquela época fiquei procurando quem havia me dado uma chibatada no espinhaço. O ser mandante disse que eu precisava passar por aquilo para aprender. Acho que foi daquele dia em diante que fui empurrado para a profissão de eletricista. E a vocação? Ah, isso é besteira: basta só uns choquinhos que ela aparece. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 05.03.2022  − 07:40



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”