terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

ACERTANDO OS ERROS - Heraldo Lins



 ACERTANDO OS ERROS


Há uma hora, já basta, não se precisa dizer, atrás. Se a pessoa colocar: “há uma hora atrás”, sempre ficará atrás nas provas de língua portuguesa.  Significa que existe uma hora que se precisará aprender a usar o verbo haver. 

Há polêmicas dizendo que Raul Seixas canta errado quando grita: eu nasci há dez mil anos atrás. Segundo a gramática, Rauzito deveria cantar: eu nasci,  há dez mil anos, "lálá". Para não cometer erros gramaticais vamos mudar a canção e dizer "lálá" em vez de atrás. 

A língua portuguesa tem dessas coisas. Se a pessoa for explicar muito se enrola mais ainda, motivo maior de tanta ojeriza pela gramática. Acredito que isso acontece porque "anos atrás" é primo legítimo de "ânus atrás". Acho que essa questão está estritamente ligada à competição. Ninguém quer ficar por último, é por isso que os atletas se esforçam tanto para chegarem na frente, e essa busca é só para que ninguém os compare com seu lugar atrás com o que foi falado acima. 

Gramaticalmente falando, não é fácil entender o "há" como forma de existir, principalmente, para crianças até sete anos de idade. Vemos, nas palestras de pessoas renomadas, este erro sendo dito, aí fica a pergunta: eles não sabem disso? Se sabem, usam de forma errada para confundir quem assiste, afinal de contas, existe a licença poética que serve para que bilhões de poetas e poetisas quebrem as normas da escrita e da fala.

Dizem os amantes do caos que regras foram feitas para serem quebradas. Dentro desse conceito, fica valendo o que se escuta até hoje: eu nasci, há dez mil anos atrás. 

Ir no dentista é outro caso catastrófico de erro. Quer dizer que a pessoa vai fazer uma viagem e escolhe um dentista para ir montado nele. Eu sei que o preço para se montar em um dentista é grande, mas pode acontecer que, com essa alta da gasolina, fique mais barato contratá-lo para ir no seu lombo de que ir de carro. 

Se o mercado for se ampliando, ir “no médico”, e não “ao médico”, será um luxo só usufruído pela elite. As pessoas passarão vários anos da sua vida estudando para carregar outras nos ombros, graças ao mau uso da língua. 

Falar e escrever diferente do padrão tem um efeito cascata. A avó fala para a mãe, a mãe para o filho e o filho reproduz como sendo algo correto. Eu mesmo sempre senti muito frio. Temperatura de trinta e cinco graus eu me agasalhava. Ao colocar a mão no fogo, sentia cócegas. Conversando com uma pessoa, eu disse-lhe que era "friento". Ela retrucou que o nome correto é friorento. Este vocábulo eu nunca havia escutado. Não refutei, de imediato, o que ela havia dito, mas coloquei no pensamento que sempre ouvira friento, e, por isso, friento eu era. 

Ao sair do encontro broxante com aquela antipática sabichona, arrogante sabe tudo, friorenta dos infernos, folheei o dicionário e vi que eu sempre fui, também, friorento, e que a palavra friento que mãe repetia a cada inverno queixando-se do meu acabrunhamento, de fato, existe, só que o termo friorento é o mais aceito socialmente.   


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 30.10.2022 – 13:45



4 comentários:

  1. Mais uma ótima crônica, Heraldo, instrutiva e divertida. - Gilberto Cardoso

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  2. Vamos que vamos Gilberto...

    Obrigado pelo espaço.

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  3. https://www.facebook.com/joaomaria.medeirosdantas6 de fevereiro de 2022 às 13:18

    Legal, Heraldo. É vivendo e aprendendo, como escutando no dia a dia.

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Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”