QUER VENDER?
Tenho que liberar o cartão para ela manter o vício de ir às compras. Às vezes flagro chorando à noite porque o valor liberado não deu para suprir o seu instinto compulsivo. Quase uma vez por ano troco de apartamento. Ela o enche de coisas sem utilidades e preciso vendê-lo com tudo dentro. Compro outro maior e sem mobília com um único objetivo: enchê-lo novamente. Não posso deixá-la chorando. Compra papagaio pelado, galinha azul, esqui, etc. À noite faz o planejamento do que será comprado no outro dia. Não gosta de comprar pela internet para não ter que esperar. Às vezes viajo de avião só para fazê-la esquecer esse vício. Ao subir para embarque vai olhando o que as outras pessoas têm e faz proposta para comprar. Já comprou, dentre milhares de inutilidades, uma boneca da Tailândia, um blusão feito pelos índios apaches, uma blusa de Lady Diana. Sempre saio da aeronave com três veículos cheios de bugigangas. Fico torcendo para alguém nos assaltar e levar tudo. Mas nem com isso posso ter o prazer. Dia desses uns criminosos altamente armados nos abordaram querendo levar umas joias que ela comprou na Arábia. Ela partiu para cima dos bandidos e os algemou. Depois ainda amarrou com barbante de seda que trazia do Japão, colocou uns chapéus mexicanos, maquiou os bandidos e os entregou à polícia. Ficou ainda passando na minha cara: está vendo! você disse que aquilo não tinha serventia! Quando paro no semáforo as mulheres que vendem pano de prato, conhecendo-a, socam a produção na minha cara, ela recolhendo e eu pagando. Ando com dinheiro em espécie para não lhe contrariar. Arranco em disparada com objetivo de me ver livre dos vendedores de flanela, água mineral e pipoca. Quando saio sem pagar ela joga o dinheiro pela janela. O que tem de vendedor correndo atrás da gente é pior do que a bandidagem. O zelador do prédio traz todos os dias quinze bolos, rosquinha, doce de leite e até uma imagem de São Benedito ela comprou. Marquei consulta com o psiquiatra para atendê-la. Ela comprou o divã do médico. Em frente ao consultório aproveitou para comprar o avental de uma mulher que estava vendendo batata frita. Eu já pedi a ela para pelo menos regatear no preço. O objetivo não foi para economizar dinheiro, mas para ver se há um espaço maior de tempo entre uma compra e outra. Ela só de pirraça diminuiu o tempo. Agora está cronometrando o tempo de compra. Quando chegamos a um restaurante que há fila, compramos o lugar do próximo cliente. Depois de jantarmos insiste em comprar os talheres e pratos. Guardar como lembrança. Eu pergunto: guardo onde? Não há mais espaço lá em casa. Semana que passou entrei no quarto e dei de cara com um dromedário. Tangi até o jardim e havia uma girafa. Comprou os bichos só para tirar Self. Pode?
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 07/01/2021 – 16:45
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