ÁGUA EM MOVIMENTO
O riacho surge do traço azul. Transforma-se em rio e vai ou não para o mar aberto dependendo da mão que segura o lápis de cor. Gera vidas e ceifa-as enquanto corre. A criança observa o desenho sem saber que ali há prazer e dor no seu inocente rabisco. O rio é colocado em evidência por alguém que tinha medo das enchentes. Hoje, o medo permanece diluído em infecções. Quantas pessoas nasceram e morreram nas entranhas do rio... Quantas, como ele, só observam as dissimuladas águas lamacentas, transformadas em atividade recreativa.
A criança acrescenta banhistas às suas margens. A certeza de que o rio nasce para todos, faz montarem-se nos ombros uns dos outros. Dois nadam para a pedra no meio do rio. Entram na gruta. O rio passa sem saber que lá dentro há um casal de namorados, namorando. Ele corre sem tempo para observá-los. O menino acrescenta uma ponte ao desenho. O rio observa a ponte lá no alto. Acredita que aquilo é um anel no seu dedo d’água. Paisagens mudam a cada momento. O rio não sabe mais quem ele é. Perdeu suas referências: o pescador artesanal, as galinhas-d’água, tetéus, piabas... São tantos navios trafegando que pensa ser o oceano. Sente falta do tempo em que era riacho. Agora é tarde. Suas águas, outrora cristalinas, estão sendo contaminadas pelo chumbo dos garimpeiros; pelos dejetos das fábricas; pela lavagem dos cargueiros. O desenho segue sem rumo. Há algo em comum com o riacho e o desenhista: ambos não sabem como será o fim do rio.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Santa Cruz/RN, 20/12/2020 –08:38
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Muito legal!
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