segunda-feira, 9 de setembro de 2019

AS SEDUÇÕES DE RITINHA E A ASTÚCIA DO AVARENTO


AS SEDUÇÕES DE RITINHA
E A ASTÚCIA DO AVARENTO


Quando Ritinha voltou
À sua terra natal,
Depois de quase três anos
Morando na Capital,
Foi aquele rebuliço!
Pois ela tinha o feitiço
Da beleza original.
Bem feita, cintura fina,
Morena cor de canela,
Uma boca sedutora,
Que não tinha igual à dela,
As pernas bem torneadas,
As mãos bastante afiladas,
Só a tornavam mais bela.
Foi para a cidade grande,
Ainda com pouca idade,
Partiu em busca da sorte,
Dinheiro e felicidade.
Por ser muito preferida,
Resolveu ganhar a vida
Sem muita dificuldade.
Abraçou a profissão,
Neste mundo, mais antiga.
Porém, se cuidava muito,
Sem preguiça nem fadiga.
Era mesmo uma escultura,
Sem um grama de gordura
Em sua linda barriga.
Inteligente e esperta,
Evitava a malandragem.
A nobreza se encantava
Com a sua bela imagem,
De modo que em torno dela
Formou-se uma clientela
Da mais alta grã-finagem!
Mas, como a cidade grande
Está sempre em pé de guerra,
E quem é da roça nunca
Esquece seu pé de serra,
A Ritinha, certo dia,
Juntou sua economia
E voltou pra sua terra.
Lagoa Verde viveu
O seu maior alvoroço,
Quando Ritinha voltou,
Bonita igual um colosso,
Cheia de ostentação,
Mexendo com o coração,
Dos mais velhos ao mais moço!
Para a pequena cidade,
Pacata e provinciana
– Um recanto de beatas,
Cada qual mais puritana –,
Sem agito e sem embalo,
Foi mesmo um tremendo abalo
O retorno da mundana.
Indiferente às cantadas
Do rico e da populaça,
Com seu nariz empinado,
Ritinha era uma ameaça
Aos homens conceituados,
Que deixavam seus cuidados
Pra vê-la passar na praça.
Já recebera recados
Do prefeito e do juiz,
Com propostas tentadoras
De fazê-la mais feliz.
Recusou um coronel
Para se manter fiel
Ao empinado nariz!
E continuou assim.
Mas o tempo foi passando.
Ritinha então percebeu
Os seus recursos minguando.
Como a vida é um cassino,
Aos caprichos do destino,
Aos poucos foi se curvando.
Foi quando lhe apareceu
O Isaac Samuel,
Um agiota avarento,
Um mão-de-vaca cruel,
O qual não abria a mão,
Nem pra pedir a benção
À sua mamãe fiel.
Porém, quando viu Ritinha,
Não escondeu seu desejo.
Vencido pelo seu charme,
Aproveitou o ensejo,
E já na ponta dos pés,
Propôs um conto de réis,
Por uma sessão de beijo.
A proposta tentadora,
Ritinha então aceitou,
E um encontro, no escuro,
Com Isaac combinou.
No mesmo dia, à noitinha,
Lá na casa de Ritinha,
O homem logo chegou.
Foi beijando-a como um louco,
Sem limite de beijar.
Já sufocada, Ritinha,
Quase não pôde falar:
– Seu Isaac, por favor,
Quero dizer ao senhor
Que eu preciso respirar!
Na total escuridão,
O homem disse: – Qual nada!
Meu nome não é Isaac,
Eu sou Zé da Farinhada.
Fique sabendo a senhora,
Que o Isaac está lá fora,
No portão, cobrando entrada!
© 𝓟𝓮𝓭𝓻𝓸 𝓟𝓪𝓾𝓵𝓸 𝓟𝓪𝓾𝓵𝓲𝓷𝓸
09/09/19
*Adaptado do conto “Astúcia de judeu”,
de Humberto de Campos (1886–1934).

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