Indico esse documentário como uma análise lúcida do que ocorreu na história recente deste país.
Como historiador da humanidade me faz notória sempre a necessidade de se evitar amnésias voluntárias. Esquecimentos são perigosos em todos os aspectos da vida social humana, tendo em vista que o esquecimento dos erros cometidos abre o precedente para que os mesmos venham ser repetidos. O Brasil é um país construído sobre esquecimentos propositais. Esqueceram-se dos índios, verdadeiros donos deste território, esqueceram-se dos criollos; os nascidos aqui, miscigenados que passaram a ser tratados como escórias ainda na colônia, esqueceram-se do passado de escravização de seres humanos e o quanto este aspecto influencia a sociedade atual.
O Brasil nunca conseguiu substancialmente ser uma Democracia, afinal o modelo social que persiste em nosso meio é o Engenho Colonial. A elite na Casa grande tem como tarefa manter o sistema em vigor e o atraso social temperado pela separação justaposta em relação a senzala. Os donos do engenho, da indústria, do meio de produção fazem questão de controlar o ritmo produtivo e a persistência de seus privilégios. A Escravidão foi legal por mais de 350 anos e quando foi abolida nada foi feito para reparar este dano às populações antes escravizadas e que agora carregavam o estigma. Esqueceram-se da escravidão, mas não esqueceram que o negro um dia tinha sido escravo, eles sempre fizeram questão de lembrar.
Para entender a história recente do Brasil é preciso compreender que todos aqueles que lutaram no sentido de tentar exercer as lembranças, redistribuição de direitos e das riquezas deste país, foram vilipendiados pela elite do atraso. Quem buscou lembrar-se dos esquecidos sempre virou alvo. No documentário “Democracia em vertigem” (Netflix), da cineasta Petra Costa podemos contemplar a ascensão do grupo político que, mesmo com suas contradições, equívocos e retrocessos discursivos, foram os únicos que desejaram reequilibrar as desigualdades que foram sempre potencializadas por aqui. Podemos conhecer a primeira ocasião em que a elite viu a senzala caminhar em direção aos mesmos espaços que ela transitava; aspecto que impressionou uns, mas irritou freneticamente outros. Contudo, o detalhe mais significativo é que a Petra nasceu na Casa Grande, neta de um dos maiores empreiteiros do país e que pôde transitar pelos azulejos dos salões do alto, mas com perspicácia e consciência social teve sensibilidade de examinar o aspecto desumano de todo o processo. Ela narra a descoberta do absurdo por quem em parte acreditava que os golpistas queriam o bem do Brasil em 1964 e reúne fatos e evidências para mostrar porque apoiaram a eleição de Dilma em 2014 e choraram o Golpe institucionalizado de 2016. Indico esse documentário como uma análise lúcida do que ocorreu na história recente deste país. Eu acredito que muitos relatos e cenas apresentadas no documento serão novidade para você, sobretudo porque a grande mídia também teve participação na tentativa de produzir novos esquecimentos, embora os fatos narrados não estejam nem 3 anos distantes. Prometo que é uma experiência agregadora e esclarecedora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”