quarta-feira, 20 de julho de 2016

O bullying na arte do comer bem - Cláudio Edijanio de Araújo


     
O bullying na arte do comer bem

por Cláudio Araújo

É interessante como algumas atitudes ou ações humanas só são debatidas, aceitas ou combatidas após serem conceituadas e receberem um nome. O bullying, por exemplo, é uma palavra desconhecida do meu tempo de infância. Cursei os níveis pré-escolar, fundamental e médio sem ouvir essa palavra. Nas camadas mais baixas da sociedade, eram comuns os termos populares bulir e bulinar, que dependendo do contexto em que eram empregados se alternavam quanto ao grau de gravidade.

Bulinar na verdade se escreve com o bolinar. Sua grafia com u é mais uma prova da sabedoria popular, quando tratada no mesmo nível fonético de palavras tão próximas. Em algumas situações, uma é consequência da outra: começa-se bulinando e culmina-se, de uma vez, por bulir. Por isso, sempre que ouço algo como Fulano foi vítima de bullying!”, me pego traduzindo mentalmente: “Bulinaram fulano!”

Deixando os buliçosos e bolinadores de lado, gostaria de discorrer sobre a palavra bullying e como ela está a cada dia ganhando espaço e se alastrando tal qual uma epidemia até em nossos costumes mais banais. Em bom português “internetizado”: o bullying “viralizou”.

Segundo o Dicio (Dicionário Online de Português), Bullying é uma palavra de etimologia inglesa, cujo significado é: “Forma de violência que, sendo verbal ou física, acontece de modo repetitivo e persistente, sendo direcionada contra um ou mais colegas, caracterizando-se por atingir os mais fracos de modo a intimidar, humilhar ou maltratar os que são alvos dessas agressões. Sendo sinônimo de ameaça, humilhação, intimidação, maltrato, opressão e tirania.

Putz! Como uma palavra tão medonha passou despercebida por tanto tempo? Confesso que não sei a resposta, mas isso pouco importa. O que importa mesmo é que descobri que sou vítima disso já faz algum tempo e não percebia.

E como comigo todo castigo parece ser mais pesado, sou alvo de bullying em um dos momentos mais sagrados do dia: na hora de comer. Eu tenho todo um ritual para esse sublime momento. Faço tudo com a maior calma e organização, desde o momento de montar o prato, a mastigação e a preocupação com a posição em que a comida fica à medida que vou comendo. E é aí que o bullying acontece: se é pela manhã, dizem que vou emendar o desjejum com o almoço; se é de noite, perguntam-me se vou fazer turno, pois pela demora vou passar a noite comendo — acham um absurdo eu arrumar a comida, separando suas partes, se vai tudo para o mesmo lugar… E por aí vai.

Seguindo o ditado “Aquilo que não me mata, me fortalece!”, resolvi tecer alguns comentários em minha própria defesa, na esperança de ser o pioneiro em um movimento que batizarei de bullying reverso.

Meu amigo, o que há de mais prazeroso e importante para o homem do que o ato de comer? Não responda agora. Tente passar uma semana sem comer e sem paliativos para o desejo de comer. Já nos dois primeiros dias você sentirá uma falta, uma ausência, uma impacienciazinha. Do terceiro dia em diante, a crise de abstinência lhe trará suores noturnos e sonhos com temática recorrente. No quinto dia, você perderá parte da capacidade de raciocínio e passará a ver comida em tudo quanto é lugar. Então, algo tão vital para nossa saúde física e mental não merece ser aproveitado em cada segundo?
Lamento pelos que sofrem de compulsão por comer rápido e não aproveitam sequer trinta por cento do processo. Comer é muito mais que abocanhar e engolir.

O primeiro passo é a sedução. Perceba que a comida não vai até você, a menos que alguém a leve. E mesmo nessa situação, é você quem a escolhe. Ou seja, ela lhe atrai com a sua aparência, charme e cheiro — o que lhe faz julgá-la “gostosa”.

Você se interessaria por uma comida suja, toda bagunçada e gosmenta? Decerto que não! A exceção seria se você estivesse cinco ou seis dias sem comer. Nesse caso, já à beira da loucura, você veria sabor até onde não há.

Diante do exposto, é mais que natural fazer do ato de comer uma arte.

Inicie apreciando a paisagem: olhe para a comida, sinta seu aroma, todo seu frescor, toda sua vitalidade. Toque-a com respeito e carinho, use a ponta da língua para verificar se a temperatura está boa, se ela está bem temperada, e aproveite para certificar-se que outras sensações isso lhe despertará. Lembre-se de que ela lhe proporcionará prazer, bem-estar, leveza de pensamento, equilíbrio em seu dia e seja grato por isso. Faça-a sentir que a missão dela é importante. Saiba que, ao saciar sua fome, ela também realiza seu desejo mais íntimo: ser saboreada, ser desejada, ser comida em toda a sua plenitude.

Organizar a comida enquanto comemos é uma forma de expressar que ela é importante e que você se preocupa com seu destino. Por isso, estou sempre mexendo nela, colocando-a ora de um lado, ora de outro. Isso permite visualizar o momento, despertando novas possibilidades.

Contenha seu impulso, não há vergonha nisso. Saboreie a comida devagar. Tenho certeza que ela saberá lhe recompensar por isso. Imagine o desperdício que é comer uma trufa recheada com avidez, engolindo-a praticamente inteira ou mordendo-a com toda a pressa. O recheio não passará de uma tênue lembrança, pois não foi valorizado. Agora, se você coloca lentamente a trufa na boca, sente sua textura, mordisca sua “casca” de forma precisa e sem anseios por romper a sua estrutura. Você poderá senti-la pulsar, sentirá a sua “pele” fina e delicada ficando mais lisa e, de repente, ela lhe presenteará com o seu néctar interior, inundando a sua boca e lhe proporcionando uma enorme satisfação.

Comer é tão bom que pode ser feito de várias formas. Pode-se comer deitado enquanto se assiste a um filme; de lado, se o local para comer for imprensado (há quem fique até viciado em comer assim); em pé, que pode ser um pouco cansativo; e também sentado, que acaba sendo uma forma bem confortável e altamente prazerosa. Só não é possível comer dando as costas para a comida. Percebe o desrespeito? Porém, manipulando-a, virando-a de frente ou de trás, você poderá comê-la do mesmo jeito, com toda a alegria.

Comendo dessa forma, a sesta será um descanso merecido, além de um preparo para a próxima refeição.

Agora, se um dia você olhar para a comida e sentir uma vibração de insatisfação, traduzida na ânsia de comer rápido, como se ela estivesse a desejar que você termine logo, é hora de rever seus conceitos, pois tenha certeza de uma coisa, amigo: você não está comendo direito!



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