segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O PRESEPEIRO - Heraldo Lins

 


O PRESEPEIRO


Surgiu um panariço, e eu, para não perder tempo, decepei o dedo da mão esquerda. Eu sou assim! Bruto por natureza! Goste de mim quem quiser!... e tem mais: não gosto de piadas. Ontem fui tirar ração para o gado. Ao passar em frente à casa grande, meu pai perguntou em tom de zombaria: essa ração dá para um preá? Voltei para a vazante e cortei umas quinze carroças de capim. O gado ficou sufocado de tanta ração no curral. Acredito que nunca mais ele irá soltar piadinhas.

Outra coisa que não gosto é de ladrão. Mês passado estava eu ajeitando uma namorada no quintal de casa. Devido a escuridão, chutei a bacia de mãe lavar roupa. O barulho fez minha irmã gritar: Tem um ladrão no muro! Dispensei a periguete, dei a volta ao quarteirão e entrei em casa. Minha irmã foi logo dizendo: ainda bem que você chegou. Tem um ladrão no muro.  Abri a porta com uma foice na mão e vasculhei o quintal. O ladrão havia fugido com medo de mim.

Além das garotas, aprecio muito jogar bola. Nas peladas, mesmo sendo entre amigos e conhecidos, mantenho minha disposição para uma briga. Não levo desaforo para casa. Mês passado estava eu jogando bola e recebi uma cotovelada de Chicão. Esperei ele passar e dei-lhe uma mãozada na cara. O motivo de não prosseguirmos brigando é que ele não tinha os requisitos que exijo para me ocupar numa peleja. Não tem graça sair no murro com alguém que corre menos do que eu.

No meu tempo de moleque havia disputa quem fazia o melhor carrinho. Fiz um caminhão cegonha. Trabalhei uns dois meses sem trégua. Fui brincar na rua que tinha calçada de cimento e causei inveja à Cocão. Ele pediu-me para ver de perto meu brinquedo. Senti alegria em vê-lo com a cara no chão. O covarde esperou só um momento de distração para pular, com os dois pés, em cima do meu carinho. Depois disso perdi o gosto por brinquedos e fui especializar-me no jogo com moedas. Quem desvirasse a moeda do outro ficava com as duas. Gazeei aula para jogar viracunha. Ganhei muito. Com o dinheiro sobrando realizei meu sonho de tomar coca cola. Comprei uma garrafa, mas não sabia que espumava. Quando, rapidamente, coloquei na boca, a espuma vazou pelo nariz. Risos dos adultos com minha frustração. Atualmente só tomo coca misturada com cachaça. A última vez que misturei foi, recentemente, no sítio. Estava eu bebendo com os amigos, dentre eles o cuidador do gado de meu pai. Ele tinha duas particularidades quando se embebedava: bater na mulher e virar a mesa. Ele foi tomando e de quando em quando dizia: daqui a pouco vou virar a mesa! Não vire que não dá certo! Vou virar! Homem deixe disso...EU VIRO! Deu um murro na mesa, levantou-se e virou. Já havíamos combinado. Nós três pegamos ele, amarramos, amordaçamos e continuamos a farra até a madrugada. Fui dormir,  e ele ficou amarrado. Pela manhã pai chegou. Deu brabo... as vacas sem tirar o leite. Cocão, com a camisa toda rasgada, queria me matar. Ele só se acalmou quando passei na cara o caminhão cegonha destruído. Por isso que eu digo: vingança é triste.




Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Santa Cruz/RN, 20/12/2020 –08:38

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