sábado, 15 de novembro de 2014

OS OLHOS DE RUBEM ALVES - Gilberto Cardoso dos Santos


Quando Rubem Alves cerrou para sempre as pálpebras, eu me perguntei: Onde haverá, na face da Terra, alguém capaz de vislumbrar o mundo exatamente como o Rubem via? Quanta aptidão tinha ele em despir uma cebola e ver-lhe a alma desnuda.

Por um tempo ele viu o mundo como nós; teve vista fraca para o que é essencial. Foi pastor protestante sedento por epifanias, professor universitário obcecado pela cientificidade da expressão linguística... mas, como aconteceu com o apóstolo Paulo, escamas caíram-lhe dos olhos.

Não se sabe exatamente quando, foi elevado até o mais alto céu e teve encontro pessoal com a poesia. Aprendeu a pressenti-la em tudo. O ouro descoberto por ele, que a tudo permeava, pertencente a um reino encantado, seria distribuído entre os educadores. A “aura” das coisas, aquilo que traz transcendência ao que é comum, que sempre escapa aos olhos enfeitiçados por bijuterias. Rubem, duplamente mineiro, sempre soube cavar no lugar certo. Mas não se sabe ao certo se ele de fato encontrava ouro ou descobrira a pedra filosofal. 

O que se sabe é que sua poesia, por ser tanta, não cabia em versos e alargava a forma das estrofes. A poesia se espalhou em sua prosa, decretou posse de seu ser e contaminou todo seu discurso. Não havia mais lugar para o pastor condicionado por viseiras religiosas, para o acadêmico árido, fanatizado por uma outra Bíblia, manietado, cioso do que deveria escrever. Nascia o Zaratustra da educação, aquele que nos falaria no idioma dos anjos.

Cerrávamos as pálpebras para ouvi-lo porque gostávamos de ver o mundo através de seus olhos. Cá embaixo, nos vales de nossa rotina educacional, deleitávamo-nos como eco de sua voz, vindo das montanhas. Éramos bem-aventurados.

Resta-nos agora treinar os olhos, adoecê-los, aflitivamente umedecê-los com o ácido das cebolas, pois necessitamos encarecidamente continuar a ver as coisas como ele as via. Do contrário, assim como morreu Rubem, morrerão os educadores. Que todo professor delire ao ponto de ver a aura única, especial, que envolve a cada aluno. O príncipe no sapo, a borboleta na lagarta, o pão na pedra.

Sejamos versos e estrofes onde a poesia livremente possa se despejar. Só assim haverá vida em nossas classes. E Rubem poderá descansar em paz...

Um comentário:

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