Quando Rubem Alves cerrou para
sempre as pálpebras, eu me perguntei: Onde haverá, na face da Terra, alguém
capaz de vislumbrar o mundo exatamente como o Rubem via? Quanta aptidão tinha
ele em despir uma cebola e ver-lhe a alma desnuda.
Por um tempo ele viu o mundo como
nós; teve vista fraca para o que é essencial. Foi pastor protestante sedento
por epifanias, professor universitário obcecado pela cientificidade da
expressão linguística... mas, como aconteceu com o apóstolo Paulo, escamas caíram-lhe
dos olhos.
Não se sabe exatamente quando, foi
elevado até o mais alto céu e teve encontro pessoal com a poesia. Aprendeu a
pressenti-la em tudo. O ouro descoberto por ele, que a tudo permeava, pertencente
a um reino encantado, seria distribuído entre os educadores. A “aura” das
coisas, aquilo que traz transcendência ao que é comum, que sempre escapa aos
olhos enfeitiçados por bijuterias. Rubem, duplamente mineiro, sempre soube cavar no lugar certo. Mas não se sabe ao certo se ele de fato encontrava ouro
ou descobrira a pedra filosofal.
O que se sabe é que sua poesia,
por ser tanta, não cabia em versos e alargava a forma das estrofes. A poesia se
espalhou em sua prosa, decretou posse de seu ser e contaminou todo seu discurso.
Não havia mais lugar para o pastor condicionado por viseiras religiosas, para o
acadêmico árido, fanatizado por uma outra Bíblia, manietado, cioso do que
deveria escrever. Nascia o Zaratustra da educação, aquele que nos falaria no
idioma dos anjos.
Cerrávamos as pálpebras para
ouvi-lo porque gostávamos de ver o mundo através de seus olhos. Cá embaixo, nos
vales de nossa rotina educacional, deleitávamo-nos como eco de sua voz, vindo
das montanhas. Éramos bem-aventurados.
Resta-nos agora treinar os olhos,
adoecê-los, aflitivamente umedecê-los com o ácido das cebolas, pois
necessitamos encarecidamente continuar a ver as coisas como ele as via. Do
contrário, assim como morreu Rubem, morrerão os educadores. Que todo professor
delire ao ponto de ver a aura única, especial, que envolve a cada aluno. O príncipe
no sapo, a borboleta na lagarta, o pão na pedra.
Sejamos versos e estrofes onde a
poesia livremente possa se despejar. Só assim haverá vida em nossas classes. E
Rubem poderá descansar em paz...
Belíssimo texto!
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