quinta-feira, 3 de abril de 2025

QUEM PENSA ANDA PENSO

 


QUEM PENSA ANDA PENSO


Vi-me rodeado de crocodilos, no meio de um pântano. No momento em que um deles tentava me devorar, virava fumaça. Cada mentira que até então eu carregava como verdade, transformada em crocodilo, deixava de existir.

Minha filha, que eu acreditava amar, não passa de uma deficiente mental presa em clínica de reabilitação. Ela hoje toma remédios tarja preta apenas para se manter vegetando. Cadê o amor que eu achava que sentia por ela? Pena, apenas isso é o que sinto quando a visito. Será que viverá muito tempo? Pergunto-me ao olhar o extrato bancário, minguando a cada vez que pago o tratamento.

Volto para casa sentindo falta da mulher que eu acreditava também amar. Os três anos desde que ela faleceu trouxeram-me a verdade de que fui enganado pelos meus sentimentos. Falta-me seguir o ceticismo. A raiva assumiu o leme da enganação. Hoje, deixo-me levar por esse sentimento, dominando minhas vontades. Espere para ver, diz a voz dentro de mim. Tenha paciência com quem teve paciência com você!

Sento-me na cama coberta pelo lençol que compramos juntos. "Este é mais bonito, papai", dizia ela, apontando para o tecido fabricado com algodão egípcio. Fiz seus gostos. As lembranças me vertem água nos olhos quando acaricio o tecido. Levanto-me da cama, abro a janela e vejo o mesmo sol brilhando para os recém-casados, que acreditam que ter filhos vai acrescentar algo de bom às suas vidas. O final será o mesmo, mas ninguém acredita. Preferem acreditar no "crescei e multiplicai-vos".

Por onde anda a filosofia nesse momento? Procuro, debaixo da cama, um brinco que ela insiste estar lá. Só poeira. Já a trouxe na camisa de força para ela mesma verificar. Os enfermeiros tiveram que sedá-la para evitar que se afogasse no vômito da ira. Dizem que a diferença entre o são e o doente está na ideia fixa. Se assim for, todos os que brigam por religião, futebol e política estão precisando de camisas de força.

Vou até a pia, coberta de louça suja. O que pensa essa mosca que sobrevoa essa catástrofe doméstica? Espanto-a com um pano de prato, não tão limpo. É, parece que a loucura da minha filha me contaminou. Estou urinando em um frasco vazio de água sanitária, cortado ao meio. Depois de analisar a cor da minha desidratação, despejo na pia os restos mortais dos meus rins. Sou eu que estou indo de esgoto abaixo. Penso na hipótese de estar me dissolvendo em saliva, suor... lágrimas pela impotência de não dominar esses desvios de conduta.

O que diriam os crédulos ao ouvirem que a desgraça do mundo está no acreditar, já que todas as guerras, internas ou coletivas, são fundamentadas nesse axioma?


Heraldo Lins Marinho Dantas

Naral/RN, 03.04.2025 - 07h58min.

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