VOLTA E MEIA A NOSTALGIA VOLTA
Ficar ouvindo conversas clareadas por lamparinas com um gato deitado ao pé do fogão de lenha, são particularidades vivenciadas por quem nasceu no sítio.
Os mugidos, vindos do curral, dão a verdadeira noção do que é solidão, mesmo assim, ninguém se dá ao luxo de valorizar crises existenciais. Para quem precisa tirar leite, curar bicheira, arrancar toco... falar do peso na alma soa estranho.
Um touro vai para a engorda. Na semana da festa, as roupas novas são necessárias para prestigiar a padroeira que manda chuva. Nos terços, as meninas, na idade de casar, são apresentadas à vizinhança. Entre uma Ave Maria e outra, as mocinhas conhecem seus futuros maridos.
Um zabumba, batendo ao longe, é escutado pelas que têm um pai severo na ordem em não lhes permitir frequentar lugares dançantes. É preciso guardar as donzelas para o casamento. Se forem para os forrós, ficarão faladas, e é nesse clima quente de final de noite que as conversas giram em torno dos noivados.
Num dia chuvoso, o pai sai à procura da vaca que se perdeu do rebanho. É preciso trazê-la senão ninguém mistura leite ao café pilado. Quase anoitecendo e ele procurando baiana e seu bezerro de três meses. As mulheres ficaram rezando até sua volta, pois lembraram-se que certa vez, só não ficaram sem a mistura porque o compadre emprestou uma das suas vacas para impedir que a família fosse dormir com fome. Ninguém aguenta por muito tempo farinha seca com rapadura.
Chegou a hora de encher os cartuchos, afinal de contas os preás trouxeram a esperança de que vai ter carne no almoço. Os camarões criar-se-ão por baixo das barreiras do rio e as traíras subirão a correnteza para comer e serem comidas. Quinze dias de chuvas torrenciais fê-los esquecer que precisaram vender carvão para escapar.
O mais velho teve que sair em busca de trabalho em outras paragens. O patriarca olha para o horizonte esperançoso que sua família volte a ficar reunida na noite de Natal.
Como seria bom se pudesse ouvir novamente o filho, sentado na cadeira de balanço, contar histórias de “trancoso”. Tanto trabalho para criá-lo e agora nenhuma certeza de que ele ainda está vivo. Chegou carta do mais novo dizendo que o procurou na antiga fazenda onde ele trabalhava. Uma das irmãs, já pariu dois e a mais nova embuchou sem se casar. Ainda bem que a erisipela da mãe foi curada com bosta de vaca.
O azeite, para fechar os cortes, está quase se acabando e só resta esperar as carrapateiras renascerem para fazer mais óleo.
O compadre disse que naquela curva apareceu uma alma penada. É melhor fechar a porta.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 18.12.2022 – 23h34min
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