quinta-feira, 10 de novembro de 2022

MOTIVOS DE APRENDIZAGEM - Heraldo Lins



MOTIVOS DE APRENDIZAGEM


Toda vez que inicio um texto, leio os anteriores para ver se valeu a pena o esforço de ontem. Logo cedo é o horário ideal para se fazer autoanálise, e para não perder mais de uma hora até o “motor ligar,” vou passear em outras realidades. 

Hoje saí com o intuito de narrar minhas observações, o que não é nada novo, mas dessa vez fui anotando mentalmente o que iria encontrando pela frente. Um poste me chamou a atenção por ainda continuar acesso indicando que o relé fotoelétrico ainda não havia sido acionado pelo sol que vinha chegando das “brumas leves.” No pé daquela estaca de cimento e concreto, repousava um tijolo, acho que a palavra certa não é repousava até por que nunca vi um tijolo cansado pedindo para repousar. Mas deixemos o poste para trás porque foi rápido essa visão, e nem deu para saber que ele estava angustiado ou achando ruim em passar anos e anos sustentando fios que não são da sua família. 

Uma bituca na emenda da calçada estava ali dando pista que aquele que a soltou faz parte do amontoado de pessoas que consomem, em média, onze cigarros por dia. Enquanto aquela “piúba” permanecia longe da brasa, lembrei-me da plantação de fumo que conheci, e me veio a imagem da quantidade de pessoas trabalhando para que aquele lixo fosse produzido. 

Um casal de pardais espreguiçava as asas no canteiro do hotel. Eles estavam felizes, acho que sim, pelo menos cantavam, pulavam, picavam a grama e ficaram lá sem se importarem comigo. Não deram nem bom-dia, sequer um aceno recebi deles. Como são antipáticos os pardais! Fico a imaginar que eles estavam a falar de mim, entre uma bicada e outra diziam um para o outro: veja que monstro, sem penas nem asas, sem bico e embrulhado em uma pele artificial. Pense num bicho fofoqueiro são os pardais. Não é por acaso que eles vivem nas cidades.   

Tomei um susto ao me aproximar do fim da calçada. O cidadão da bicicleta quase me atropela na esquina do posto. Ele também levantou as pestanas em um movimento instintivo de defesa, e logo, ao recompor-se, desejou-me boa caminhada. Agradeci ainda meio tonto e não tive como evitar olhar para trás e me certificar que o macacão que ele estava usando era totalmente róseo. Aqui e acolá encontro pessoas que gostam de cores de meninas de berço.

Há um velhote que corre na praia com um calção preto, laranja, amarelo e preto novamente. Desloca-se com os braços molengas e as mãos gesticulando como se estivesse falando com seus fantasmas, uma verdadeira coreografia oceânica.   

Quando saio de casa tenho que saber que vou olhar e ser olhado, e, mesmo não tomando conhecimento o que o outro está pensando sobre mim, existe sim uma avaliação natural: se é gordo, velho, mulher, homem etc.

Muitas imagens remetem-nos a outras que existem armazenadas em um local que não sei bem onde é, e foi exatamente o que aconteceu quando avistei um sapo nos escombros de um terreno baldio. Lembrei-me do menino da “rua do pelo” que era respeitado pelas suas malvadezas. Ele, nas noites de inverno, ficava jogando “cururus” para vê-los estourar no chão. Quando o anfíbio dava sinal de vida, Sungão novamente, rindo, fazia o mesmo até o intestino do sapo sair pela boca. Era malvadeza, assim como o desrespeito por Joanita que ele apelidava de Niiiiiita. Maria do padre era outra que findou tendo AVC de tanto ouvir gritos quando estava indo para a igreja: Maria do Padre!, Sungão gritava e corria para se esconder na esquina. 

Atualmente, as organizações criminosas arrancam a cabeça dos seus inimigos, outras, enchem de chumbo as “Marieles da vida”, e se a rotina nos fez acostumarmos com essas aberrações, não podemos esquecer das instituições que queimavam quem fizesse ciência. Parece que a maldade humana é uma febre pior do que a bubônica, e o mais apavorante, todos carregamos essa doença. 

Logo à frente encontrei um estacionamento com placas de quarenta e cinco graus. Eu já tinha visto com noventa, e essa mudança nas placas me fez pesquisar e aprender que são indicações quanto à forma de estacionar os veículos. Noventa graus, é de frente, 45, enviesado. 

Em um simples passeio, aparecem tantos desafios que, para não me sentir deslocado, foi necessário aprender que Jogging é uma forma de atividade física em que o ritmo da marcha é mais rápido que na caminhada e mais lento que ao correr, e foi assim que cheguei suado direto para a página que estava em branco.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 10.11.2022 — 08:11



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