ESCREVER É SÉRIO
Mais uma vez me deparo com o olho pidão da página querendo assunto. O prazer da página é ser preenchida e não interessa com qual assunto. Toda página que chega à puberdade quer isso aqui e agora.
Aconteceu com uma página amiga minha. Estava ela com vontade de ser preenchida e perguntou ao assunto se ele poderia fazer o seu preenchimento. Ele, com muito respeito à mãe dela, salientou que era amigo da família e não ficava bem depositar assunto aleatório nas suas entrelinhas. Ela disse que estava carente, e quase se ajoelhou pedindo um pouco. Ele, como assunto pegador que era, fez o combinado. No outro dia a mãe dela brigou ao saber que sua filha, com cara de satisfeita, ficou relatando o quão era gostoso ser preenchida por aquele assunto embriagado.
O pau rolou na estante. Os livros que moravam vizinho ficaram do lado da página mãe. Sua filha merecia coisa melhor. Aquele assunto sem assunto não era para sua filha limpa, lisinha e pura. Agora ela tinha que virar a página para apagar o que estava escrito. Nem revisão foi feito no que estava registrado. Preferiram usar mata borrão e corretivo para tentar limpar o desastre literário. O boato se espalhou na biblioteca. Todos os livros pegadores querendo conhecer a página oferecida. As canetas ficaram com ciúmes. Diziam que sem elas não era possível acontecer o que havia acontecido. Como foi registrado esse assunto se todas estavam dormindo? O índice foi chamado para agendar uma audiência. O marcador marcou o encontro para depois da leitura. No calor da discussão foi descoberto que o registro foi cometido por um lápis amigo do assunto. Os dois sempre foram vistos juntos para essas ocasiões. São verdadeiramente uma quadrilha manipulando as páginas que estão chegando ao ponto de serem escritas.
A sentença foi proferida e ficou decidido que aquele assunto seria banido para as ilhas do rascunho, e o lápis substituído pelo computador. Qualquer tema seria digitalizado sem interferência desses dois. A página que havia sido motivo da discussão literária ficou a ver letras. Seu anverso estava um pouco comprometido, mas dava para ser reutilizado. O seu verso continuava totalmente limpo. Eis que surgiu um outro assunto interessado em penetrar no verso. Casaram-se e foram felizes para sempre.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 29/04/2021 – 08:10
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