REPRESENTATIVIDADE
Julinho estuda numa escola no mesmo bairro onde mora, aluno assíduo, inteligente, dedicado, faz todas as tarefas escolares sempre com muito entusiasmo. Sua professora dona Clô, se esforça para motivar seus alunos e trazer-lhes esperança e crença num futuro melhor, diferente da trajetória de vida percorrida pela família das crianças e de Julinho, em particular.
Na segunda feira, depois de passar o final de semana preparando a aula sobre os poderes, com ênfase para o poder Legislativo Municipal, dona Clô fez crer que todos têm o direito de votar e ser votado e consequentemente ser vereador na sua cidade. Julinho ficou empolgado por demais. Que interessante professora, não sabia! Então meus pais votam? Claro, os seus pais e de todos os outros alunos. De volta para casa Julinho pensou sobre a aula e a possibilidade de ser vereador.
Ao chegar à casa, falou para a mãe:
- Amanhã quero que me leve a câmara de vereadores, a tia Clô nos repassou o endereço.
- Como assim, o que vamos fazer lá?
- A tia falou que os vereadores são os nossos representantes, quero conhecer essas pessoas e depois tenho algo a dizer. Ao amanhecer o dia, Julinho pulou da cama todo feliz.
- Vamos, mãe, vamos logo! Depois de caminharem pelas ruas chegaram ao endereço.
- Mãe, sabe por que viemos hoje?
- Não sei, você não falou.
- É que hoje tem sessão e vamos ter a oportunidade de conhecer todos os vereadores.
Entraram na câmara, se acomodaram e aguardaram o inicio dos trabalhos. Os olhos de Julinho brilharam.
- Quero vê-los! – exclamou.
Passado algum tempo, a Sra. Sônia falou:
- Pronto, já chegaram todos, são treze no total.
Julinho olhava, olhava, mas não encontrava.
- Você está procurando o quê, menino? Sente-se.
- Não mãe, não chegaram. Você quer saber mais do que eu? Claro que estão todos aí.
- Mãe, a tia Clô falou que posso ser vereador quando crescer, e disse que todos os cidadãos podem votar e serem votados. A minha professora mentiu, não acredito mais no que ela diz.
- Calma, menino, não fala isso, a Clotilde é uma excelente professora e ela não mente para os seus alunos, pare com isso.
- Mãe, se você e o meu pai votaram e os amigos do bairro também votaram, como é que não tem ninguém da nossa comunidade aí, para nos representar? Eu não conheço essas pessoas, elas não parecem conosco. São brancas, ricas, moram no centro da cidade, não conhecem os problemas do nosso bairro. A Rede Globo tem mais negro e gente do morro do que essa câmara que foi eleita por vocês. Mãe, nosso povo tem vergonha de quem são? Eles não elegem seus representantes, pessoas assim como nós por que, têm vergonha?
No caminho de volta Julinho não deu nenhuma palavra, a sua mãe ficou preocupada, pensativa e refletindo sobre os questionamentos do filho.
Ao chegar à casa, o menino escreveu uma cartinha para a professora.
“Tia, jamais serei um vereador, ontem fui à Câmara e lá não vi gente como nós, pessoas pobres, negros e da periferia. Essa câmara não representa os seus eleitores. Fiz uma triste descoberta: o meu povo não sabe votar! Tia, vou lhe contar um segredo, eu falei para Maria Rose, minha irmã, que na câmara tinha uma vereadora com o cabelo Black, igual ao dela, ela ficou toda feliz. Mentira!
Beijos, tia Clô.”
Autora: Lucila Gusmão
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