A FORÇA DA TRAIÇÃO
A jovem viúva foi ao criado mudo, abriu a gaveta, tirou um maço de cédulas e entregou ao dançarino que conhecera no hotel. As últimas palavras foram: Quando precisar é só me chamar. Ele saiu daquele luxuoso apartamento com a certeza de ter cumprido com o seu dever de garoto de aluguel. Sua atividade tinha um cunho social de grande abrangência, tendo em vista que sempre ouvia ela dizer estar precisando do seu carinho. Obrigava-se a dançar ao lado da cama para que ela se sentisse atraída. Esse fetiche a mais só trazia bem-estar à relação. Ao voltar para casa, o coreógrafo morreu dormindo.
Ela soube do falecimento pelos jornais. Reconheceu aquele rapaz, bem-afeiçoado, porte atlético, sem doença aparente, contudo, não poderia mais contar com ele. Lembrou-se que, na última noite, o beijou fervorosamente. Há seis meses usava preto nos seus vestuários para cumprir com a tradição, e, depois do falecido esposo, era a primeira vez que havia gostado de alguém. A notícia a fez pensar em um novo substituto. Compareceu ao local para depositar flores no caixão, olhando de lado para ver se conseguia simpatizar-se com um dos amigos do falecido garoto. Avistou só familiares que nem serviam para um drinque prolongado. A irmã dele, aparentemente, sabia tudo sobre o irmão, nem chorava. A todo momento estava acessando o celular, bem vestida, saiu logo que recebeu uma ligação. Quem sabe, exerciam a mesma profissão.
À noite, ela estava no cassino. Procurou alguém, dessa vez conseguiu um jogador. Por ter um hálito de cigarro, evitou beijá-lo. O ritual do dinheiro transcorreu ao contrário. Recebeu o acertado e despediram-se. No dia seguinte ele telefonou agendando novo encontro, e mais um, e outro, e no final do mês haviam se encontrado praticamente todos os dias. Afeiçoaram-se, sem precisar de cachê. Bem à vontade, ela aceitou o gosto de nicotina. Beijou-o.
Ao voltar ao cassino, após uma semana sem notícias, soube que seu amante havia falecido. Ataque cardíaco. Lembrou-se o quanto ele era amável, bonitos modos e uma encantadora conversa. Que pena, agora que começara a se apegar. Ouviu, sem aparentemente se importar, que ele tinha outras moças a sua disposição, muitos serviçais e dinheiro para emprestar a juros altos. No velório, reuniram-se a família e alguns amigos íntimos negando dívidas, conversa ouvida por trás da coluna. Falavam que, para muitos, era um alívio ele ter ido embora antes de receber os pagamentos atrasados. Tinha sido governador, coisa que não contava naquele momento, a não ser para os presentes ouvindo o sermão.
Conheceu o reeleito naquele velório. A vida pública parecia que a perseguia, pois o seu falecido esposo era do mesmo círculo de amizade. Conservador, ela teve que conviver com ideias contrárias as suas durante alguns anos. A muito custo, conseguia aceitá-lo se autodenominar mão de ferro, mas agora os sindicalizados o chamavam de mão sem osso.
Nos últimos tempos havia se desligado do partido ao qual o marido havia lhe imposto filiação. Foi como tivesse saído de um atoleiro, e agora não tinha mais vontade de aplaudir discursos justificando reformas. Soube, por acaso, que o atual governador encontrava-se divorciado, e a mesma assessora a convidou para o salão nobre onde o reeleito estava. Chegou e foi recebida pelo próprio. Os seus belos cachos dourados, tão generosos, reluziam à luz dos castiçais de luxo rodeando a mesa. Minha querida Adileuma, disse ele deixando a entender que a conhecia há bastante tempo, o que de fato era verdade.
Ela sempre esteve por trás do marido, nem se dava conta que era observada. Naquela situação, sentiu nas entranhas um estremecer ao ser beijada nas faces por aquele homem maduro e muito charmoso. Uma aliança conjugal entre os dois foi sugerida pela irmã do governador.
Em janeiro as bodas foram realizadas. Correu os primeiro seis meses sem maiores desatinos. O quarto dela estava sempre cheio de damas a lhe mostrar joias, vestidos e sugestões de viagens. As lágrimas brotaram quando soube que uma dessas vendedoras havia atraído o marido para o quarto de hóspedes. Ela engoliu o choro. Sua condição de primeira dama, não a deixava se apossar de escândalos. O marido quis remediar o estrago trazendo-lhe uma joia há muito desejada. Ela riu, mas não ficou de toda alegre, mas ficou, também, com um aperto no coração.
Naquela noite, ele procurou reativar o amor que sentiam no início do casamento. Abraçou-a, fez carinhos, enfim, a beijou sendo correspondido com fervor. Estava tudo resolvido, pensava ele.
Ao amanhecer, lá estava o corpo inerte ao lado da loira. Ela havia produzido, pela quarta vez consecutiva, o veneno salivar e mortal de mulher traída.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 03.06.2022 – 09:43
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