DIVERSAS INTERPRETAÇÕES
Três porquinhos viviam perambulando por aí sem nada para fazer, até que um dia souberam sobre chapeuzinho vermelho e tiveram uma ideia de porco. Que tal tomar emprestado o lobo de chapeuzinho para construirmos nossa própria história? Apoiado, gritou Cícero, o irmão mais novo dos três. Não seria perigoso juntar porcos e lobo numa só história? É só uma história infantil, argumentou o mais velho, e então...
Foram falar com chapeuzinho. Os senhores agendaram com ela?, perguntou o caçador. Não, não! Tem que agendar? É claro. Então agende aí para daqui a um minuto. Certo, podem entrar. Os três saíram da porta da frente em direção à cozinha do prédio, simplificando, entraram na casa.
A casa era enorme para uma formiga e pequena para um elefante. Tinha teia de aranha nas ripas, cupins nos caibros, uma família de barbeiro alojada num buraco pronta para transmitir a doença de chagas, e chapeuzinho se achando. Tinha televisão? Quando fosse inventada, com certeza não, pois os bolinhos que ela fabricava não dava nem para comprar um chapéu azul, sonho acalentado há mais de três anos.
Digam logo o que querem porque estou ocupada fazendo bolinhos. Estes são para sua avó? Não, são para vender para porcos. Eba, gritaram os porquinhos já metendo os dentes nos bolos e deixando fiado. Assim vocês me quebram, reclamou chapeuzinho sem poder fazer mais nada, já que os esfomeados haviam comido todos.
Enquanto estavam na mesa, falaram do projeto para distrair e furtar mais bolos guardados nas cestas. Que tal se o lobo destruir duas casas a marretadas e depois desistir da última por ter acabado o tempo de gravação. Como assim? O sindicato dos atores não permite gravar além do horário estabelecido, por isso um final rápido evita pagamento de hora extra. Esse roteiro foi logo descartado. Houve uma opinião bastante chocante: eu avalio que essa história está com pouca violência, especificamente por se tratar de história para crianças. Se pelo menos tivesse cortes na barriga do lobo, disse chapeuzinho. Nessa hora, chegou o lobo algemado, tentando decorar suas falas: "...é para te ouvir melhor, minha netinha!'
Ô de casa, alguém gritou lá fora. Assim é demais, reclamou o lobo já de olho nos suculentos porquinhos, eu não posso nem ensaiar sossegado. Era o pessoal da associação protetora de animais. Houve uma denúncia que aqui mora uma menina que fabrica bolinhos de tripa de lobo, é verdade? Quando os porquinhos souberam de que eram feitos os bolos foram vomitar por trás da casa. Não fujam, disse a fiscal, vocês são os principais suspeitos. Mesmo assim eles foram. A senhora quer o quê?, perguntou chapeuzinho doida para mandar aquela mulher para a casa de chapéu. É sobre o IPTU atrasado. Faz mais de oito anos que você deve esse imposto. Eu pensei que você fosse da associação protetora de animais. Sou também, mas como o meu horário nessa função acaba de acabar e eu já entrei no horário de fiscal da prefeitura, aproveito a oportunidade... É melhor a senhora ir embora porque os meus caçadores nunca mais abriram barriga de lobo, e estão querendo iniciar a nova modalidade de abrir barriga de fiscal para tirar propina, se é que tem outra coisa além disso na sua. A fiscal foi embora levando dois quilos de carne de porco.
Epa, gritou um dos porquinhos. Você também mata porco? Só por lazer, mas hoje estou sem tempo. E quem vai pagar o IPTU?, voltou a fiscal. Leve mamãe como escrava, disse chapeuzinho vermelho ordenando que os caçadores amarrassem também a vovozinha. Mas minha netinha, disse a avó com sua boca grande, para que tanta maldade? Estou farta de ser uma menina indefesa. Hoje eu arrebento a boca do balão.
Levaram a mãe e a avó embora, deixando o lobo sem muita opção de comida, e foi nessa hora que ele correu atrás dos três porquinhos.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 09.08.2024 - 03h05min.
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