COMO É SIMPLES O COMPLICADO
Iniciei os trabalhos há um mês. Todos os dias, uma única pedra de porcelanato está sendo assentada, milimetricamente verificada passo a passo, sem pressa e com o mesmo gosto de uma guloseima preparada para um concurso gastronômico.
Primeiro, fiz uma pesquisa para saber os preços e depois uma ida ao quarto de despejo separar desempenadeira, prumo, nível e até os palitos de dente usados no ano passado que eu havia guardado para fazer o espaçamento entre uma pedra e outra. Um milímetro e meio, disse o vendedor, confirmando o que eu já sabia.
Uma pedra por dia?, expressou-se com desdém um amigo que também sonha em seguir a carreira de pedreiro. Sim, mas eu faço com cuidado para não ter que arrancar depois por falta de alinhamento. Quem trabalha com isso sabe quão difícil é alcançar as quatro medidas de um serviço bem feito.
A primeira pedra é a que merece mais atenção, e não é por acaso que ninguém quis atirá-la primeiro. Protetor auricular, máscara, luvas, só não estou adepto do capacete. Um calor infernal, porém o ganho é que consigo dormir sem interrupções, de tão cansado.
Depois que comecei a realizar meu sonho de ser pedreiro, fico criticando quem vai para a academia gastar energia em troca de nada e ainda paga por isso. A pessoa contrata uma faxineira, em vez dela mesma limpar a casa, lavar a louça ou misturar argamassa.
No início, eu acordava com as mãos e braços formigando. Uma dor terrível indicava que o serviço era pesado para quem só digitava em sua rotina, todavia meti a cara e já estou quase terminando.
Assisti que para não picotar a pedra no corte, basta inclinar a makita quarenta e cinco graus, mais ou menos, para o lado que vai aproveitar a peça. Fiz e deu certo, agora é fácil deixar sem rebarbas.
Descobri que o formigamento nas mãos era devido ao esforço de preparar a argamassa. Com ideias garimpadas no YouTube, fiz um misturador caseiro e logo a dormência desapareceu.
Só trabalho na poeira durante a manhã. Depois do banho, vem o home office que eu tanto sonhava. No departamento de documentos, mandaram-me dar entrada neles de casa. Que sensacional!
O que seria da vida sem poeira, sem machucar os dedos, tossir reboco ou sentir medo que a pedra fique desnivelada? O que seria da vida se não existisse um vizinho a perguntar o porquê de tanto barulho ou um vendedor dizendo que não sou capaz de fazer o que faço? É melhor continuar ignorando os espinhos para refletir melhor sobre o que torna o dia perfeito.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 28.08.2014 - 14h16min.
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