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quarta-feira, 15 de maio de 2019

TOQUE DE AMOR Valdenides Cabral de Araújo Dias




TOQUE DE AMOR

Valdenides Cabral de Araújo Dias

            Nena existiu, eu vi, nesse lugar onde guinés, galinhas e pintos obedecem ao comando de voz de José, seu irmão mais velho. Desde cedo aprendeu a olhá-lo como ser duplo. José sempre foi, para ela, o homem rude e sereno, o sério e o palhaço que a fazia rir nos tempos de menina. José é o que cava a terra com os olhos pregados no céu. Um vaqueiro de muitos silêncios e poucos bichos.
            De olhar preso no horizonte, onde Cacimbas é apenas um topônimo, ele a ensinou, um dia, a enxergar longe no escuro da noite e a ver, na luz dos vagalumes, a cor de seus sonhos. Homem de poucas palavras e profundas reflexões, José assimilou uma e outra margem de um açude que, quando seca, ele próprio se transforma na terceira margem, para sobrevivência sua e de seus bichos. Foi longe disso que Nena cresceu, mas disso tudo sabia. E sentia.
Nena cresceu  longe dele. Foi em busca dos sonhos que viu, um dia refletidos na luz dos vagalumes. José, planta(n)do a terra, fincado, ficado, ficando na casa onde nasceram, arando o chão, colhendo o que a chuva permite. A casa, José, as teias de aranhas descendo pelas paredes, o rádio num canto da sala, os potes de água de beber na despensa, a porteira do curral dentro da sala de jantar. O muro da casa caído, a frente da casa, caiada.
Ontem mesmo, tive plena certeza de que Nena ainda existe naquele lugar. Isso digo porque a vi, ontem, tocando a mão de José, depois de um longo tempo de ausência, e fotografando com os olhos o chapéu velho do irmão mais velho, que a levou aos seus oito anos. Também as linhas tortas da casa, as lamparinas, o jirau de um queijo imaginário. E o mesmo sorriso longo e franco de José, agora sem dentes. O que eu vi, o que eu senti, foi um toque de amor.

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