O SONHO DE ÍCARO - J. Arthur Santiago

            Nestes dias de donos de verdades absolutas, especialistas de beira de esquina, pós-doutores em economia de mesa de bar, e religiões sem Deus, quero também expor minha “verdade”. A maioria dos que eu conheço que “investiu” nas empresas de Marketing Multi Nível que tive oportunidade de conversar, alertei-os sobre os riscos, inclusive o da intervenção judiciária, como a que acomete, atualmente, uma destas empresas.

Por vezes, me senti um idiota, não pela ineficácia em convencê-los de minha visão, mas por não conseguir enxergar a deles. Os fantásticos argumentos em favor destas empresas não conseguiam me convencer, sobretudo o argumento de necessidade de “pagamento” ou “investimento” para início do negócio. Uma vez tentaram me convencer exemplificando que se um cidadão desejar colocar uma carrinho de cachorro quente terá que realizar um investimento inicial, o que é verdade, precisamos da “ferramenta de trabalho”. No caso do MMN, vamos utilizar basicamente um computador de nossa residência, já temos nossa “ferramenta de trabalho”, logo para que este caução? No formato praticado hoje, o sistema “assemelha-se” ao esquema Ponzi, conhecido popularmente como pirâmide financeira, daí os problemas judiciais.

Mas meu discurso em nada serviu, as pessoas estavam maravilhadas com a possibilidade de enriquecimento rápido e fácil. Afinal, mesmo com o investimento inicial, o retorno acontecia em no máximo três meses, isso se o novato fosse acomodado. Houve casos alardeados de pessoas que recuperaram o investimento em poucos dias, ou até horas. A possibilidade de concretização de sonhos antes intangíveis tornava-se realidade e as pessoas se agarravam a isso de maneira quase religiosa, quase fanática, a ponto de amizades de anos serem abaladas por simples comentários dos incrédulos e infiéis.

O ser humano se vicia rápido com o conforto e com a boa vida. E se todo mundo tá ganhando porque não eu? Havia ainda um grupo que tentava justificar o pagamento, dizendo ser oriundo do “árduo” trabalho de apertar a combinação de ctrl+c e ctrl+v ou de realizar alguns cliques no mouse, diariamente, o que diga-se de passagem, pode ser feito com maior eficiência por um software programado para tal, mas o trabalhador pode alegar que durante o trabalho ele encontra-se obrigado a ver a “propaganda”, aí eu pergunto: quem você conhece que efetivamente comprou um produto destas empresas? Ou que utiliza regularmente o sistema de telefonia que só apresenta-se financeiramente vantajoso se utilizado para realizações de ligações internacionais?

Antes da empresa de telefonia tornar-se a maior do mercado MMN, havia, pelo menos em minha região, uma forte concorrente que “desapareceu” misteriosamente das rodas de discussão, e que pagava para assistirmos propaganda na internet. Somente por curiosidade pesquisei no Youtube algumas destas propagandas, haviam vídeos que nem em português eram e traziam produtos que não eram vendidos no país. Então como posso consumir estes produtos? Como o patrocinador da propaganda vai ter retorno se seus telespectadores nada comprarem? Mas essa como disse “desapareceu”.

Recentemente soube que algumas empresas vão vender os mais variados produtos, desde café até quem sabe caixões e outras estão investindo fortemente na compra de outras empresas, reinvestindo assim o dinheiro capitado, resta saber se estas empresas terão crescimento suficiente para manter viva a rede.

Existem ainda os “sábios” que tentam legitimar a empresa em razão dos recolhimentos de Impostos de Renda, o que nada legitima, pois os mecanismos de recolhimento de impostos e de legalização de empresas, nada tem em comum, além do fato de que para se manterem legais as empresas devem estar em dia com seus impostos.

A título de sugestão e com a finalidade de provar definitivamente a inexistência de esquema piramidal sugiro a meritíssima Juíza que libere o pagamento dos divulgadores da empresa investigada judicialmente, mantendo bloqueada apenas as novas adesões até o término do processo, e vejamos o que acontece.

Curiosamente, a empresa investigada, usa a palavra “Voa”, forma imperativa do verbo voar, nas divulgações em redes sociais na internet, a palavra isolada pode ter várias interpretações algumas positivas outras negativas. Esse grito de guerra deve ter sido inspirados nas asas coloridas da logomarca da empresa, semelhante ao arco-íris utilizado por movimentos GLBT´s. No fim do arco-íris sempre tem um pote de ouro, neste caso talvez seja um “ouro dos tolos”.

E voar sempre foi o sonho do ser humano desde o início dos tempos, inúmeras culturas, atribuíam essa capacidade aos Deuses. Foi impossível não lembrar de Ícaro e seu trágico voo, e a lição presente na história mitológica, tão bem exposta por Byafra em sua célebre canção, com a qual concluo meus pensamentos:

 

Sonho de Ícaro

Byafra

Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...

No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...

Rock do bom
Ou quem sabe jaz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...

O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...

Do alto coração
Mais alto coração...

Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...

Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, coração
Mais alto, coração...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, o coração
Mais alto, o coração...