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terça-feira, 23 de julho de 2013

A CIDADE DESARVORADA - Gilberto Cardoso dos Santos


A cidade amanheceu menos verde, menos oxigenada, menos ensombrada.
Pássaros retornaram para seus ninhos, mas, à semelhança da ave que Noé soltou após o dilúvio, estes não mais encontraram os galhos com que estavam familiarizados. Também não havia arca pra onde retornar... Pequenos insetos, igualmente, voltaram para o seu mundo, mas ele havia sido destruído. Outros se foram com ele.

Sim, a cidade amanheceu com menos árvores, menos pássaros, e com a natureza mais emudecida.

Profissionais, transeuntes, e vendedores ali se ilhavam, protegidos da inclemência solar e a vida parecia melhor.

Aquela árvore frutificava em sorrisos, amores, olhares brilhantes. Clientes de banco ou familiares que ficavam à espera, des-fruta-vam de um tesouro que não cabe nos cofres.

Quantas mãos ali se apertaram, quantos abraços ali foram dados quanto dinheiro ali se contou! Era um dos poucos lugares onde pobres e ricos se encontravam, atraídos pelos instintos poderosos de nossas origens silvícolas.
                                                                                      
Ali, as motos esfriavam seus motores. Como uma mãe, a árvore as ninava, botava-as para dormir. “Aquietem-se! O povo está cansado desse barulho!”...

A conversa fluía com mais facilidade, o tempo deslizava mais suavemente.
Era uma sala (ao ar livre) de terapia para os mais idosos, uma ponte entre nós e a floresta. Uma mão da mãe Gaia que nos acariciava e nos protegia contra o sol e o tempo inclementes.
Era um oásis de sombra na selva de pedra. Ela nos pertencia, e foi-nos tirada sem que percebêssemos. 

Em A Árvore da Serra, de Augusto dos Anjos, o filho agarrou-se com o tronco e gritou: "Não corte a árvore, meu pai, para que eu viva!". Ele teve a chance de clamar em sua defesa, mas nós não tivemos essa oportunidade. E quando a árvore tombou, certamente também levou consigo um pouco de nós como ocorreu com o filho no poema.

A cidade amanheceu desarvorada. Desarvorada no sentido mais amplo. Desarvorado significa ficar transtornado, confuso, desorientado. E foi assim que se sentiram os que tiveram suas retinas feridas ao chegarem na praça, pois puderam enxergar melhor os riscos que corremos. 

Sentiram-se ofuscados pelo desapontamento.

Ao votar, sempre esperamos benevolência, sombra e água fresca dos que elegemos. Sonhávamos e ainda sonhamos com uma melhor gestão do meio ambiente. Mas a cidade, menos ensombrada, tornou-se assombrada com a possibilidade de ser engolida pela modernidade insana.

Não se sabe que razões levaram a atual gestão a fazer isso. O motosserra com sua voz irritante tentou explicar-me, disse que são ordens do progresso, mas não entendi bem o que me disse. Talvez os que a derrubaram também nada saibam. Apenas se lhes pediu que pusessem o capuz e se fizessem carrascos. Foram meros instrumentos da lei. Não sabemos como se sentiram ao dormir, com as mãos cheias de seiva...

Desmatar é matar.

Acho que os gestores públicos, à semelhança dos países democráticos onde há pena de morte, deveriam ter todo um protocolo ao praticarem tais penas. Burocracia aqui nunca seria demais. Tudo deveria ser examinado e reexaminado, prós e contras apresentados. Deveriam deixar bem claro à opinião pública as razões que os fazem exterminar tais e tais indivíduos e fazer tudo sem muita pressa para evitar o risco de matar uma inocente. Se tudo fosse antecipadamente esclarecido, quem sabe, não nos convencêssemos da justeza do que foi feito?

Cem ou mais árvores plantadas em seu lugar jamais substituirão aquela árvore. Mas ao menos gostaríamos de ter a certeza de que outras serão plantadas como consolo, assim como os pais que perdem um filho e tentam substituí-lo com outro...

Dizem que esta árvore era um marco da cidade, mas não era. Era um marco da natureza e da história,  um dos poucos que ainda nos restavam.


6 comentários:

  1. É a ignorância passando por cima de tudo: o casario antigo da cidade que vai sendo derrubado pra dar lugar a caixas de sapato sem vida, os paralelepípedos das ruas do centro que foram cobertos pelo asfalto feio e quente e agora essa árvore tão bonita, derrubada com uma desculpa ridícula qualquer, ou sem desculpa mesmo, que pra essa gente só importa o próprio umbigo. Por sorte ainda existe gente combatendo esse tipo de mentalidade. Você, Gilberto, protestando com seu texto, e Nel, que distribui e planta árvores na porta da casa de quem quiser. Um abraço, meu velho.

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  2. Árvore tem vida,
    Atitude destruidora
    Cometida por um ser que vida tem.
    Por pura ignorância
    ou por ordem de alguém.
    Sugerimos porém
    Aquele que detém
    FAZER EXECUTAR UM PROJETO
    DE REFLORESTAMENTO
    EM LUGARES IDEAIS,
    DA CIDADE SANTUÁRIA.
    QUE NOSSA SANTA CRUZ.
    Vamos falar com os nossos representantes.


    JLUF

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  3. É enfurecedora uma atitude como essa. Há poucos dias derrubaram uma bela árvore em frente da Prohabitar. Ah, os políticos, sempre dirigindo na contramão da cultura e da preservação do meio-ambiente.

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  4. Gilberto, é repudiante termos que ainda presenciar cenas como essas. E o pior é que sabemos quem deu a ordem para tal. E ainda tem a cara de pau de dizerem que a culpa foi do podador. Coitado! É apenas pau mandado. Parabéns pelo brilhante texto. Deve ser lido e relido por todos.

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  5. Vejo a hora acabarem com o que ainda resta de Santa Cruz. A violência praticada contra as árvores responsáveis pelo verde da nossa cidade é uma espécie de vandalismo oficial da prefeitura da minha terra. No outro governo municipal, os tratores da prefeitura, sob o comando do irmão do prefeito, fizeram a maior derrubada de madeira da história recente deste lugar. Derrubaram os paus das Avenidas Rio Branco, Senador João Câmara e Lourenço da Rocha, das Ruas Antônio Henrique de Medeiros, Cosme Ferreira Marques, Caminha Fiúza, Camilo José da Rocha, 1° de Maio, Maria das Dores, Passos de Miranda, Aluízio Bezerra, Padre João Jerônimo, Frei Miguelinho, Elói de Souza, João Bianor Bezerra, Alfredo Lima, Ferreira Chaves, Manoel Cícero de Lima, José Ferreira de Medeiros, dos Bairros do Paraíso, Aluízio Bezerra, Maracujá, DNER, Cravina, Cônego Monte, Vila Rica, Alegre, e do Pátio da Rodoviária. Foi a maior derrubado de pau de Santa Cruz de todos os tempos.

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  6. Hoje, casado e idoso, eu não sei informar, mas, antigamente, a derrubada de pau era feita lá no finalzinho da Rua 1º de Maio, nas proximidades do Matadouro Público Municipal, às margens do Rio Trairi, no sopé do Monte Carmelo, atual Alto de Santa Rita de Cássia. Era lá o local da derrubada...

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