1. Como foi retornar à Europa após tão pouco tempo?
Antes de começar responder às
perguntas, gostaria de expressar minha satisfação de participar deste bem
conceituado blog que busca sempre levar cultura e conhecimento aos navegantes
virtuais, continuamente com um espírito aberto, condição essencial ao
aprendizado.
Tentarei ser sucinto para que
a leitura não se torne enfadonha.
Visitar a Europa é voltar no
tempo, reviver a história do Ocidente, mergulhar na aventura de um passado
glorioso, emaranhado por guerras, conquistas e disputa de poder. Como um
andarilho errante que vagueia em busca do conhecimento, essa viagem foi para
mim mais um mergulho nas águas profundas dos mares onde tudo começou. Uma
grande alegria poder voltar a esse berço da cultura mundial e dar continuidade
à realização de um sonho antigo: andar e conhecer de perto os caminhos
trilhados pelos construtores antigos da saga do homem sobre a terra.
2. Nessa segunda vez, houve
alguma alteração no modo como vê os países que visitou?
Embora desta vez eu tenha
visitado países que ainda não conhecia, retornei a alguns por onde já havia
estado. Agora vi coisas novas e coisas que já havia visto com olhos diferentes.
O tempo passa e nossa visão sobre um mesmo objeto se transforma na proporção de
nossas experiências e crescimento pessoal.
Na primeira visita a ansiedade
é maior e há uma tendência de se romantizar quase tudo, até mesmo aspectos
negativos de cada lugar. Nessa segunda passagem já estava mais familiarizado
com muitas coisas e tinha melhores condições de enxergar a realidade com um
olhar mais crítico e isento.
3. Em que países esteve e em
que cidades?
Passei 42 dias entre França,
Alemanha, Itália e Espanha.
Na França passei alguns dias
em Dijon, capital da rica e encantadora Borgonha.
Visitei também Besançon, uma
cidade antiga e belíssima que se ergue às duas margens do rio Doubs. Ali
visitamos a citadelle, um castelo erigido há quatro séculos como fortificação
militar no alto de uma colina que guarnece a cidade.
Durante a Segunda Guerra
Mundial, quando os nazistas subjugaram a França, houve naquele forte uma
resistência ao domínio inimigo e mais de cem resistentes foram executados
quando a citadelle foi tomada pela horda de Hitler. Ainda na França, passei
sete dias em Paris e visitei muitos pontos turísticos interessantes, entre eles
o Museu de História Natural de Paris, onde pude ver de perto um acervo
impressionante de esqueletos fósseis que contam a evolução da vida na terra na
linha do tempo.
Fui a Heldelberg, belíssima
cidade da Alemanha onde já havia estado em 2010.
Entre a França e a Itália,
fizemos uma viagem de trem magnífica, cruzando os Alpes suíços por entre as
montanhas de cume nevado. É de fato uma rota de tirar o fôlego ver aquelas
cidadezinhas adormecidas aos pés daquelas montanhas gigantes.
Na Itália, visitei Milão,
Veneza, Florença, Roma, Pisa e Gênova. Todas, cidades importantes. O que falar
da monumental cidade eterna, Roma? Apenas ela seria suficiente para ocupar uma
entrevista inteira. Como falar de Florença, berço do Renascentismo italiano,
numa entrevista de poucas linhas? Para não tornar a entrevista cansativa
falando de todas elas, escolho Veneza como representante da Itália.
Veneza, juntamente com Gênova,
monopolizara a chamada ‘Rota do Mediterrâneo’ durante a Idade Média. Pelas suas
ruas/rios entravam e eram distribuídas na Europa as especiarias vindas do Oriente.
Com a descoberta da ‘Rota do Atlântico’, Veneza perdeu importância no cenário
do comércio mundial, porém não perdeu o brilho que encantou e atraiu a tantos
no passado. Caminhar por suas ruas, ou navegar por seus rios, é voltar ao tempo
em que ainda não havia o barulho aborrecedor dos automóveis e a vida caminhava
a passos lentos. Em muitas ruas e rios que cortam Veneza o tempo parou nas
esquinas e lá se encontra adormecido há séculos.
Na Espanha, conheci Barcelona
e Madri, ambas, cidades magníficas. Entretanto, se tivesse que escolher a mais
impressionante das duas, ficaria com a primeira.
Por toda parte se pode
perceber a influência do grande arquiteto catalão, Antoni Gaudí, na fisionomia
da cidade. Para mim, a Catedral da Sagrada Família é a mais extraordinária
construção religiosa que já vi. Supera de longe a própria sede do catolicismo, em
Roma. Combinando o gótico e o curvilíneo, Gaudí fez uso da chamada Art Nouveau,
expressão francesa para “arte nova” e criou a mais esplendorosa catedral já
erguida pela mão do homem.
4. Como foi a experiência de
reencontrar brasileiros e conterrâneos na Europa? Fale sobre eles e o papel que
tiveram no sucesso de sua viagem.
É sempre uma satisfação
encontrar amigos e conterrâneos em terras distantes.
Reencontrei por lá o velho
amigo Pascal (francês) e Assunção (santa-cruzense), casal do qual tenho a honra
de ser padrinho de casamento. Passamos alguns agradáveis dias na companhia de
Gláuber, Andressa e Binho. Encontrei também nosso grande amigo Rogério. Pessoa
merecedora da mais alta estima. Por ele, conheci Mônica, sua irmã e Hans Roger,
seu sobrinho; sempre muito simpáticos e acolhedores. Todos foram muito gentis e
facilitaram sobremaneira nossa viagem.
Registro aqui meus sinceros
agradecimentos a todos eles pela formidável acolhida e companhia.
5. Discorra um pouco sobre os
europeus com quem esteve em contato.
Tivemos em companhia de
Pascal, esposo de Assunção. Ele é francês de nascimento e nordestino de alma.
Conhece mais as coisas do sertão do que muita gente por aqui (risos). Pessoa
adorável, fácil de conviver, muito atenciosa.
Jantamos um dia com Nobert e
Miriam, respectivamente filho e nora de Pascal.
Pessoas igualmente simpáticas
e acolhedoras. Jantamos outro dia com Marie Jose e Didier, irmã e cunhado de
Pascal. Pessoas inteligentes e agradáveis com quem tivemos a satisfação de
aprender um pouco mais do dia-a-dia da cultura francesa.
Além deles, tivemos muitos
contatos de pouco tempo com muitas pessoas. Eu diria que, a despeito das
diferenças culturais, são iguais a nós e aspiram aos mesmos fins: a felicidade,
a paz, o amor...
6. Qual sua impressão geral
sobre a Europa depois dessa viagem?
Como em toda parte, há pontos
positivos e negativos. Como pontos positivos destacaria o excelente nível de
educação de organização social. As consequências disso se traduzem em melhores
condições de vida e no acesso que a população tem à assistência social, à
cultura e ao conhecimento. Como fator negativo eu destaco o excesso de
individualismo que domina as pessoas. Isso corre no sentido oposto aos
comportamentos que se podem observar entre os animais que formam sociedades,
como as formigas e as abelhas, por exemplo, onde a cooperação e o senso de
equipe são essenciais ao sucesso da espécie. Imagine-se que no século XX esse
individualismo exacerbado (aqui no sentido de defender apenas os interesses da
própria nação) matou cerca de setenta milhões de pessoas por meio das duas
grandes guerras - ambas nascidas na Europa com raízes nesse modelo de
pensamento . Imagine-se ainda que esse individualismo tem o potencial de pôr fim
à própria espécie humana. Talvez isso explique o porquê deles figuraram tão distante
no “ranking da felicidade”, classificação de uma pesquisa feita pela FGV para saber
quais são os povos mais felizes do mundo. Apesar de todos os problemas o Brasil
lidera pela 4ª vez o ranking. O Reino Unido aparece em 26º; a Itália, em 56º; a
Alemanha, em 62º; Grécia e Portugal surgem em 145º e 146º, respectivamente.
7. Houve algo em especial que
o emocionou nessa viagem? Chorou alguma vez?
É impossível não se emocionar
em muitas ocasiões. Cada lugar desperta em nós um sentimento único. Lembro-me
daquela tarde ensolarada de primavera quando eu sentei naquele gramado, à
sombra de uma grande árvore, de frente para o coliseu, em Roma. Ali passou um
filme em minha mente. Lembrei do filme “O gladiador”, onde Russel Crowe
interpreta o papel de um general traído que se torna escravo e é obrigado a
lutar no coliseu para conquistar sua liberdade. Quantas histórias reais nasceram
e morreram naquele lugar nos dias em que Roma dominava 2/3 do mundo conhecido.
Em 2010, eu destacaria como um
dos grandes momentos da viagem a visita ao Palácio de Versalhes, a casa de Luiz
XIV – o “Rei Sol” - monarca que governou a França durante o absolutismo.
Construído num parque de 700 hectares, diz a história que o rei dava festa
frequentemente para 15 mil pessoas. Como se não bastasse a opulência da morada
de Luiz XIV, ele mandou construir, ainda dentro do parque do Palácio de
Versalhes, o Petit Trianon, um palácio para sua amante preferida, Madame de
Pompadour. Aquele é um lugar onde se pode facilmente pensar existir apenas na
imaginação.
Quanto ao choro, não cheguei a
tanto (risos). Até por que já era a segunda vez que pisava em terras europeias.
8. Fale sobre a cultura de
preservação que parece caracterizar toda a Europa e que
lições tais países têm a nos
dar.
Esse é realmente um ponto que
merece destaque. O senso de preservação é o que possibilita à Europa ser o
continente mais visitado do mundo. Preservar lugares e artefatos é resgatar o
passado, conservar o presente e pensar no futuro de uma forma sustentável. À
primeira vista, preservar pode parecer um desperdício de possibilidades
econômicas, mas é engano. É possível que se o coliseu, imponente construção dos
tempos do Império Romano, fosse no Brasil já o tivessem demolido para construir
um moderno edifício comercial, visando uma aparente vantagem econômica. Porém,
quem visita Roma logo percebe que a decisão de preservar é a mais acertada em
todos os sentidos, pois além de engrandecer o patrimônio cultural de uma nação,
desenvolve e fortalece a economia através do turismo e do comércio em geral.
Quando nossos líderes entenderão isso?
9. Nós, santa-cruzenses e
brasileiros, de algum modo nos sentimos representados por vocês ao empreenderem
essa viagem; descreva-nos o que, se pudesse, deixaria indelével em suas
retinas.
Cada lugar e cada povo têm
suas particularidades. Portanto, muitas coisas mereceriam um destaque especial
na parede da memória. Porém, à guisa de outras opções, eu destacaria Veneza,
cidade que se perdeu no tempo, mantendo-se muito semelhante ao que era há 10
séculos. Paris, pela grandiosidade de tudo o que ela representa como símbolo da
cultura francesa e importante cidade na história do mundo.
Os gastos são razoáveis, desde
que haja uma boa pesquisa prévia. Por exemplo, viajar na primavera ou no outono
é sempre mais barato do que no verão. Se se pretender andar muito entre os
países, o passe Eurail é sempre uma boa opção.
Também há pousadas a preços
bem acessíveis. Portanto, depende muito do que se quer fazer ou comprar por lá,
mas o fato é que há opções que saem bem em conta.
11. Que aspectos da paisagem
natural ou humana mais chamaram sua atenção?
A paisagem natural que mais me
impressionou foi sem dúvidas a região dos Alpes suíços. Trata-se de uma cadeia
de montanha cujos cumes são dominados pela neve eterna e logo abaixo da neve
surgem os pinheiros, dando uma beleza especial, típica de clima temperado. Na
primavera, aqui e ali se podem ver cachoeiras que se formam pelas águas do degelo
da neve acumulada durante o longo inverno. As praias de pouca areia do mar
Adriático e Mediterrâneo não são belas e quentes como as nossas. A paisagem
criada pelo homem é bela,
elegante, charmosa. As cidades
são geralmente limpas, arborizadas, floridas, bem organizadas. Os parques, as
praças, os castelos nos fazem, por vezes, pensar que estamos participando de um
filme ou até sonhando.
12. Que lugar em especial
chamou sua atenção? A quais acha imperativo retornar?
Paris, Veneza e Barcelona são
cidades especiais que não podem ficar de fora de um roteiro interessante.
Os Alpes suíços com certeza
merecem uma visita mais demorada. Pretendo na próxima conhecer de perto aquela
região que vi de longe, através do vidro de uma janela de trem.
13. Sua inspiração e conduta
foi impactada nessa viagem? Que podemos esperar como fruto dessa viagem?
“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho
original.”
Albert Einstein.
Resumiria tudo nessa célebre
frase de Einstein.
Tenho o sonho de escrever
alguma coisa um dia e essas viagens certamente terão uma boa influência sobre
isso.
14. Fale sobre uma experiência
marcante da viagem.
Quando conhecemos uma cidade
que sonhamos um dia fica um pedaço dela em nós para sempre. A paisagem natural,
a arquitetura, sua gente, seus costumes formam experiências únicas e muito
pessoais, quase indizíveis. Navegar pelas águas do rio Sena e de Veneza,
passear sem pressa pelas ruas de Montmartre em Paris, contemplar a Catedral da
Sagrada Família em Barcelona, entrar nos castelos e ver como era a vida nos
tempos passados ... São muitas as experiências marcantes e destacar qualquer
delas seria cometer injustiça. Cada coisa gera uma experiência pessoal que
causou em mim um impacto diferente do outro e para o resto da vida.
15. Diga-nos uma reflexão que
tenha a ver com viagens e sinta-se à vontade quanto às
palavras finais.
Vejo a vida como um “dia”. Na
verdade, apenas um pouco maior do que um dia, mas ainda assim um “dia”..., que,
como todos os outros, nascem e morrem. Não temos muito tempo. Logo a sombra da
noite chegará, tragando tudo o que há: as luzes de Paris, as árvores dos
bosques que ladeiam as belas cidades, as flores da primavera que embelezam os
parques... Viajar é aproveitar a vida enquanto é dia; é beber de uma fonte
inesgotável de experiências e conhecimento.
Finalizo com as palavras
inspiradoras do Nobel José Saramago:
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se
em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da
praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem
é apenas o começo de outra. É preciso ver
o que não foi visto, ver outra vez o que
se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu
de noite, com o sol onde primeiramente a
chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para
repetir e para traçar caminhos novos ao
lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
Relato primoroso do amigo Marcelo Pinheiro!
ResponderExcluirEdgley de Souza
Que bela viagem caro Marcelo, a gente viaja junto com seus relatos.
ResponderExcluirAdorei todas as respostas dadas à entrevista, meu amor. Assino em baixo, pois de fato foi uma viagem extraordinária. Leninha.
ResponderExcluirMarcelo,fico muito feliz e encantada com todo relato e com todas as fotografias que comprovam a grandeza dessa viagem. Quem sabe um dia não estaremos todos lá,desfrutando em família dessa tamanha beleza.
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