LAMENTO MIÚDO
Por que eu fui nascer formiga? Olhou para o horizonte e lá estava o elefante. “Ah, que injustiça!”, resmungou, enquanto tentava carregar uma migalha de pão maior do que ela. “Ele nem precisa de esforço pra ser notado, e eu? Quase morro esmagada por um chinelo”, e seguiu, sonhando com um dia em que a natureza tivesse uma repartição de queixas.
Ao caminhar, lembrou-se dos tempos de larva, quando não precisava provar nada a ninguém. Naquela época, ela achava que um dia seria do tamanho, pelo menos, de uma abelha. Sonhava com aplausos das companheiras ao carregar um grão de arroz inteiro. Mas os dias passaram, e tudo que ganhou foi dor nas costas e um rancor desses que a gente guarda no fundo da alma.
Para aumentar seu drama, começou a se irritar com o próprio corpo: “essas pernas curtas, esse abdômen segmentado. Nem cintura tenho!” Comparava-se aos gafanhotos, mosquitos, e até o caracol com a casa nas costas parecia ter um estilo de vida mais interessante. Só queria ter nascido um bicho que chamasse um pouco mais de atenção, tipo borboleta, ou ao menos um que conseguisse enxergar o pôr do sol sem precisar escalar uma pedra. Nesse caso, escolheria ser girafa.
Como se não bastasse, ela ainda precisava lidar com o tamanduá. E justo naquele dia, lá estava ele, aspirando almas pequenas. Ela gelou, enfiando-se atrás de uma casca de árvore, porém aquele monstro seguiu o seu caminho, sem querer perder tempo com um petisco tão pequeno. Paralisada, repensou se valia a pena sair do formigueiro.
Essa dúvida era antiga. Meses antes, havia decidido abandonar o formigueiro. “Chega dessa organização opressora! Eu quero ser livre!”, gritou, no dia da partida, carregando uma folha seca como bandeira da revolução. Mas a liberdade pesou bastante quando sentiu depressão. Até os restos de pratos perderam o gosto. Mesmo assim, ela seguia seu caminho, com um leve arrependimento que fingia não sentir.
No dia em que o formigueiro se encheu de cantorias, ela se escondeu sob uma pedra, fingindo que não ligava. No fundo, doía ver os vagalumes piscando em sincronia. Foi essa solidão que a fez voltar.
Ao chegar à boca do formigueiro, os soldados sopraram trombetas em sinal de boas-vindas. Alguém gritou: “Ela voltou!” E foi aí então, que entre beijos e abraços fraternais, sentiu-se gigante.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 18.07.2025 - 08h59min.
Muito bom! Texto criativo, sensível, com humor e bela reflexão existencial.
ResponderExcluirO texto lembra uma mistura sensível entre o existencialismo poético de Clarice Lispector e a ironia crítica de Monteiro Lobato nas fábulas do Jeca Tatu.
ResponderExcluirA formiga aqui é mais do que um inseto — é uma metáfora pungente do ser humano que se sente pequeno diante do mundo e injustiçado pelo destino. Como em Kafka, há uma burocracia invisível que sufoca (a "repartição de queixas" é quase uma versão tragicômica do Tribunal de O Processo).
Já o tom confessional e introspectivo remete ao estilo de Caio Fernando Abreu, com sua constante sensação de inadequação e desejo de pertencimento.
A comparação com outros animais e o sentimento de inferioridade ecoam o lirismo simbólico de Cecília Meireles, enquanto o final, com a volta ao formigueiro e o acolhimento coletivo, remete ao retorno do filho que, como nos contos bíblicos ou nos textos de Guimarães Rosa, só entende seu lugar no mundo depois de experimentar a solidão e o desamparo.
É uma fábula moderna, de tons melancólicos e crítica social sutil, contada com graça, inteligência e uma melancolia que faz lembrar os autores que souberam humanizar até os menores seres.