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domingo, 15 de junho de 2025

SOU 100% HUMANO



 SOU 100% HUMANO


É preciso enfraquecer esse indomável monstro que destila veneno por onde passa. Fecham-se cadeados, portões, jaulas... mas a boca? Essa entrada sem tranca tornou-me obeso; a saída liberada, odiado. Não tenho capacidade de habitar na mansa sociedade. Exercícios, trabalho, preocupações, perigos... sou um ser necessitado de tudo isso para me manter dentro dos parâmetros normais de aceitabilidade.

Quero brigar com todos. Colocar defeito em tudo. Só eu estou certo. Nunca erro — apenas me engano aqui e acolá.

Não assumo em público, contudo, tenho vícios. Sou doido para envenenar gatos, mas não tenho coragem. Outra deficiência minha: sou covarde, dissimulado. As pessoas acham que sou calmo. Mais violento do que eu, desconheço. Finjo que está tudo bem. Entretanto, enquanto sorrio para alguém, penso em decapitá-lo.

Sou tido como um cidadão de bem. Ah, se eu tivesse poder... Trump seria um aprendiz perto de mim. O ditador da Coreia do Norte estaria no jardim de infância. Como os invejo! Eles têm milhares de soldados ao dispor para dar vazão ao mesmo instinto que habita em mim. Acho que seria tão feliz quanto eles, se tivesse o poder que eles têm. Num estalar de dedos, caças supersônicos, avaliados em milhões, partiriam para destruir uma cabana feita de palha.

Eu faria pior do que o presidente de Israel. Deixaria as crianças palestinas morrerem de fome, só para acabar com o mal pela raiz. Faria fábricas no subsolo, tentando desenvolver a bomba atômica. Depois de prontas, jogaria na floresta Amazônica para exterminar todo tipo de vida. Só assim sobraria ouro para mim.

Esqueci de dizer, mas sou também muito ganancioso. Tudo que vejo, quero comprar — mesmo que seja para depois jogar no lixo. Queria possuir muitas vacas leiteiras. Minha vontade era juntar o leite só para derramá-lo e, assim, fazer o preço subir.

Sou fã daquele filme Meu Malvado Favorito. Assisti a todas as versões. Os minions? Esses já entraram para a história, muito mais aclamados do que São Francisco de Assis. Quem é esse? Fazia o bem. Mentira, diria eu nos alto-falantes. O bem é uma criação cultural para ser bem visto — pelo menos, é o que pratico, e com esse objetivo. Sinto-me mal ao praticá-lo, mas o faço em busca de aceitação social. Jogo para a plateia, com discursos bem articulados e ações plausíveis. Beijo crianças em público... querendo cozinhá-las, em particular.

Estou com saudades de uma guerra mundial. Já faz quase cem anos da última. Está na hora de matarmos o excedente. Daqui a pouco, nem se consegue mais comer caviar. 

Eu sou assim, direito.

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.06.2025 – 06h52min

2 comentários:

  1. Talvez a humanidade seja isso mesmo: um eterno conflito entre o monstro e a máscara, onde o caviar da existência egóica se mistura ao sabor amargo da consequente destruição. - Gilberto Cardoso

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  2. Pegou pesado, mas está bem escrito. Parabéns pelas analogias.

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