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quarta-feira, 7 de maio de 2025

A ÚLTIMA TESTEMUNHA

 



A ÚLTIMA TESTEMUNHA 


Tempo é dinheiro, dizem os capitalistas. Cada minuto pesa muito para quem perde no salão de sinuca. É esse tempo medido que empurra e puxa a civilização como uma tsunami dissimulada. Ele é medicamentoso quando há esperança de cura. Ele é a mulher da foice quando só se tem três meses de vida. Eu estou, neste momento, com ele de sobra, aproveitando para tomar um pouco do seu, trazendo-o para uma reflexão tão batida que, no final, só restará dizer: perdi meu tempo.

Vida e tempo se misturam, e às vezes, em um minuto, ela vai embora debaixo dos braços dele. A única forma de pular o tempo ainda não foi inventada. Inventa-se de tudo, inclusive um aplicativo para saber o que dizem os animais — mas brincar com o tempo, jamais.

O tempo serve para empurrar ideias ladeira abaixo ou ladeira acima; aprimorar o que foi deixado na poeira. Apaga-se rapidamente, deixando-nos apavorados quando a cadeira elétrica se aproxima. Uma das únicas coisas que temos em comum com os demais humanos é dizer que não temos tempo.

O tempo também é o juiz silencioso das nossas escolhas, sempre pronto a sentenciar sem aviso. Ele observa, impassível, o acúmulo de arrependimentos, os amores que deixamos passar, os telefonemas não retornados. Mesmo quando tentamos enganá-lo com rotinas cronometradas e metas semanais, ele escapa por entre os dedos. Somos todos condenados a esta corrida sem linha de chegada, onde o troféu é apenas a consciência de que ele sempre esteve ali, mas nunca foi nosso.

Ainda assim, insistimos em domesticá-lo com agendas, alarmes e lembretes coloridos. Damos nomes aos dias, numeramos as horas, criamos feriados para fingir que mandamos em algo. Há quem colecione relógios como quem tenta capturar o vento em frascos de vidro. No fundo, sabemos: o tempo não se guarda, não se compra, não se devolve. Só se sente — nas rugas, nos silêncios, nas partidas. Mesmo quando fingimos não notar sua presença, ele espera o momento certo de nos lembrar que passou.

O maior truque do tempo é nos fazer acreditar que ainda há tempo: tempo para amar, para pedir desculpas, para escrever aquele livro, para visitar alguém, para começar de novo. Alimentamos esse mito como se fosse um velho conhecido, ignorando que, a cada manhã, ele nos leva um pouco do que nunca devolve. E seguimos, empurrando promessas, adiando gestos simples, como se o amanhã fosse garantido por contrato. No fundo, sabemos — e fingimos não saber — que ele não avisa quando decide encerrar o jogo.

O tempo nos doa tudo, de bom ou de péssimo, porque é indiferente aos nossos clamores. Não se comove com nossa pressa, nem se atrasa por nossas saudades. Ele apenas segue, implacável, como um rio que nunca volta à nascente. Carrega consigo nossos sorrisos antigos, nossos corpos mais leves, nossos sonhos esquecidos. Ao contrário do que dizem, ele não cura todas as feridas; apenas as empurra para mais fundo, até que se tornem cicatrizes que aprendemos a ignorar. No fim, o tempo não nos pertence; nós é que a ele pertencemos.

Apesar de tudo, há quem o celebre. Comemora-se o tempo com velas e bolos, taças erguidas, abraços apertados que duram segundos, mas tentam eternizar afetos. Cada aniversário é, na verdade, um rito silencioso de aceitação: estou um pouco mais longe do começo e mais perto do fim. Talvez o segredo não esteja em vencer o tempo, mas em dançar com ele — tropeçando, rindo, chorando — até que ele decida sair de cena. Quando isso acontecer, que ao menos reste a certeza de que fizemos com ele algo que valeu a pena.



Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 06.05.2025 - 16h10min.



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