terça-feira, 24 de julho de 2018

Para que serve um poema? - Theo Alves

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Se um poema serve para alguma coisa prática, ele está definitivamente arruinado. Algo nele há que se desarranjou e desgarrou como o filho de um hippie que defende o capital e intervenções militares. Se o bom poema não tem utilidade alguma, o poema que serve para algo é mais inútil ainda.
A discussão é antiga, inúmeros são os poetas, críticos, filósofos e rabiscadores de banheiros de rodoviária que têm repetido a cantiga perene: a poesia não serve para nada. Pergunte a um poeta, por exemplo. Eu mesmo nunca usei um poema para tirar a barba, para juntar folhas no quintal da casa em que não vivo, apertar parafusos ou tosar um cão. Um poema não estraçalha uma pedra nem pode ser esfregado na louça até que ele ou ela brilhe.
Dia desses, numa mesa redonda em que tive o prazer de conversar sobre Literatura com o amigo Alessandro Nóbrega, o mediador e também poeta Gilberto Cardoso provocou-nos perguntando sobre essa tal inutilidade. E concordamos à mesa que um poema não serve para nada cuja utilidade seja puramente prática, objetiva, clara e funcional, como um parafuso, uma furadeira ou uma broca de metal. É verdade: um poema útil é um poema com defeito de fabricação, um poema quebrado, que carrega um ferimento letal à boca do estômago e sangrará até a morte.
“Serve então para que o poema?”, insistirão o engenheiro ou o mecânico. E a resposta continuará sendo: “serve para nada, está claro”. E isso basta. Que mania de gente besta esta nossa de querer dar uma utilidade a tudo, de querer mensurar, quantificar, objetivar e dar funcionamento às coisas! “Otimizar”, dizem agora. Um poema não otimiza nada sem ter vomitado o fel de uma baleia antes. O poema que serve para alguma coisa está quebrado, eu insisto.
É preciso remendá-lo, cozê-lo em trapos muito rotos até que ele esteja vestido gloriosamente de vergonha, até que ele carregue no desarranjo das cores a natureza de seu tempo; tem que se meter de estofo no bucho do poema a palha, o agave, o sangue coagulado dos porcos, as nuvens, os nenúfares e as espumas de onde Vênus brotou nua em carne e concha. Deve se esfregar um poema na pedra até descer sangue, ranho ou a medula do espírito, a alma do osso ou o osso da alma. Lima-se o poema no corpo desejado até que o gozo faça nascerem flores de lótus no chão em que pisa o ser amado ou cogumelos venenosos de quem se odeia. Mas o poema não pode servir para não estar quebrado.
Quanto mais inútil um poema, mais celebrada deve ser a palavra. Glorioso quem é capaz de inventar essa máquina de palavras cuja ossatura tem a fragilidade dos gravetos e a pele é pura pluma caída do ventre de um cão. O poema que não serve para nada, este sim, está maduro, desejoso e pronto para o uso!


"A poesia são os nervos do entulho", José Gomes Ferreira



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quarta-feira, 18 de julho de 2018

UM BANQUETE NA CASA DE MARIA GORDA (Marcos Cavalcanti)


Estava eu ali no largo da matriz de Santa Rita de Cássia, admirando um coreto holográfico de priscas eras, de onde ecoavam imaginários acordes das bandas dos mestres Oscar, Deusdeth e Camilo, numa costura imaginativa do passado com o presente, quando vejo vindo das bandas da 1º de Maio, o professor Nailson Costa, entusiasmadíssimo, com um livro na mão, perguntando-me se eu já tinha deitado os olhos nas CRÔNICAS DA CASA DE MARIA GORDA, aproveitando o ensejo para me mostrar os autógrafos em forma de bocas coloridas, recém colhidos das "mininas" do lugar. Respondi-lhe com igual entusiasmo: não só deitei os olhos, meu caro amigo e professor, como devorei-lhe as páginas saborosas em três tragadas de grande satisfação gastronômica.
A fome de leitura deste comedor de palavras começou, é claro, pela cobertura, que nos apresenta em esfíngea silhueta, aquela que é o mote e a personagem absoluta das narrativas deste querido prosador santacruzense, José Rosemilton Silva, rebento ilustre e parte de uma prole não menos famosa, do amor em Rosa do ainda mais afamado Mané da Viúva. Mas devo dizer, mestre Nailson, que de entrada, detendo-me nas orelhas, não deixei de reparar na figura quase monástica de Rosemilton, que melhor estaria representado, se o retrato fosse proveniente de um original em três por quatro do mais memorável lambe-lambe do Trairi, mas aí seria querer a perfeição em forma de iguaria iconográfica. Fica para a próxima edição.
Das orelhas saltei para a dedicatória que me foi carinhosamente assinada: “Meu caro, Marquinho, neste livro eu tenho a pretensão de contar um pouco da história dos 5O anos de nossa Santa Cruz, de forma diferente, sem qualquer compromisso.” Daí, passei a outra afetiva e generosa dedicatória que se segue, e já salivando, meti os olhos no menu-sumário do cardápio, lendo com atenção os evocativos títulos da cada prato, imaginando de antemão, os seus temperos e deliciosos ingredientes. Mesmo discordando veementemente daquele “sem qualquer compromisso”, fui entender melhor o significado ao degustar as palavras do prefácio, substância nutritiva da maior qualidade apreciativa, da lavra do mestre-cuca Nailson. Nele, o ex-aluno de francês, apresenta em excelente português e de maneira irretocável, a obra de nosso generoso conterrâneo. A admiração recíproca, logo se vê, não é mera troca de figurinhas; é antes de tudo, um mútuo reconhecimento de dois valorosos amantes de nossa Santa Cruz do Inharé. Ambos vibram na mesma sintonia, no mesmo diapasão, quando se trata das boas lembranças que a literatura desperta-nos através das reentrâncias profundas da memória. Quem não se lembra de “Futebol: Documento de uma Paixão”?
Mas há também cerejas na cobertura deste apetitoso bolo literário, são as saudações versejadas, dos chefes-poetas Gilberto Cardoso e Hélio Crisanto, dois suculentos convites à mesa farta que se inicia já em festa, através de sua primeira crônica "Começou a Folia”. Daí por diante é um festival gastronômico memorialístico para se refestelar. São 47 gordas iguarias no cardápio: a política, muito menos indigesta que a atual; as agruras das secas, as festas tradicionais dos padroeiros, o carnaval, a semana santa, o São João, os folguedos populares, tudo isso apimentado numa prosa telúrica, ligeira, risonha, sem ser zombeteira, num respeito comovente pelos personagens inesquecíveis e demasiadamente humanos de nossa cidade, muitos ainda vivos, felizmente, e todos a desfilar seus traços marcantes, seus cacoetes, suas manias, seus costumes, que vão dando um colorido todo especial à missa e à messe que nos oferece Rosemilton. Em tempos de Copa, como dizia o escritor russo Leon Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Você pintou a nossa aldeia, Rosemilton, com as tintas de um estilo despretensioso e único, e é justamente nisso que reside o seu sabor e o seu valor inigualáveis, que nos remetem, no campo da poesia, ao mestre Cocó da Canastra Véia.
A crônica que encerra o livro: “Até breve, cumade” dá-nos a certeza íntima de que este banquete terá novos e suculentos pratos para saciar a nossa fome de letras, de memórias e de saudades dos lugares e das gentes das Ribeiras do Trairi. Por isso vos peço dona Maria Gorda, continue a engordar a memória e a imaginação de seu cumpade Rosemilton!!!! Tenho dito!!!
Marcos Cavalcanti

sexta-feira, 13 de julho de 2018

O OUTRO LADO DA POESIA - Gilberto Cardoso dos Santos



OUTRO LADO DA POESIA 
(Gilberto Cardoso dos Santos)

Às vezes a poesia
Cumpre um propósito vil.
Um poeta encabeçou
O Nazismo, tão hostil.
Convenhamos: quanto fel
Verte o poeta Michel
No governo do Brasil!


A Internet está cheia
De inspiração panfletária.
Utiliza-se a beleza
Da forma mais ordinária.
Fala-se em paz e amor,
Em futuro de esplendor,
Quando a intenção é contrária.


O poeta mercenário
Por interesses se guia.
Mas o poeta do bem
Exercita a empatia.
Com amor e simplicidade,
Asperge na humanidade
Unguento de poesia.